

HANAMI: um regresso às raízes por Denise Fernandes
Na sua primeira longa-metragem, a realizadora viaja até à Ilha do Fogo para contar uma história de mulheres ancorada na identidade e no território cabo-verdiano. "Hanami", premiado em Locarno e no IndieLisboa, é um filme de reencontro, crescimento e contrastes.
“Hanami” é a primeira longa-metragem realizada por Denise Fernandes. Nasceu em Lisboa, é filha de pais caboverdianos e cresceu na Suíça. É um filme com um percurso reconhecido em alguns festivais de cinema, nomeadamente em Locarno, onde estreou e recebeu o Prémio de Revelação.
Denise, gostaria de perceber o que esta longa-metragem significa na tua aproximação a Cabo Verde, onde tens as tuas raízes, considerando que cresceste na Europa, em Portugal e na Suíça.
Acho que este filme foi uma viagem, um filme desenvolvido ao longo de vários anos e o meu primeiro trabalho filmado em Cabo Verde. Já tinha feito uma curta-metragem, o “Nha Mila”, que acontece em Portugal, mas em Lisboa, no contexto da comunidade caboverdiana, da diáspora.
Para mim significou uma viagem de regresso. A curta-metragem ajudou-me a fazer uma espécie de escala antes de chegar à Ilha do Fogo, a Cabo Verde. E tudo isso significou muitas coisas para mim e algumas dessas coisas até estão no filme.
Foi muito significativo fazer o “Hanami”. É um passo determinante na minha filmografia.
E foi, também, significativo mostrá-lo em Cabo Verde. O que significa para uma cinematografia que está a ganhar expressão? É um filme que dá maior expressão à cinematografia caboverdiana, podemos dizê-lo, ou é exagerado afirmá-lo?
Fazer um filme é sempre um grande desafio. E no meu caso, foi uma escolha muito clara. E foi um motor saber que ia retratar Cabo Verde.
Respondendo à pergunta, acho que é muito relevante, porque eu não cresci a ver Cabo Verde nem a identidade caboverdiana num contexto cinematográfico. E as poucas vezes em que acontecia, era sempre um olhar exterior. Que pode ser totalmente válido, mas era importante para mim contribuir para esta cinematografia , que está ainda no início, comparando com outros países africanos. Creio que Cabo Verde ainda está numa fase muito inicial. Então, o “Hanami” é um bocadinho a minha contribuição.
Por que escolheste a Ilha do Fogo?
Digo muitas vezes que espero que o filme possa responder a essa pergunta.
E o filme responde bem à pergunta, mas o que podes dizer a quem ainda não o viu e sabe que ele foi rodado na Ilha do Fogo?
Como caboverdiana da diáspora, só há oito anos é que fui ao Fogo pela primeira vez.
Pouco a pouco comecei a perceber que são dez ilhas e que cada uma tem a sua própria identidade, as suas características, mesmo a nível da natureza.
E então, um país que eu cresci a pensar que era um país homogêneo, na verdade, tem como que universos diferentes no seu interior, apesar de serem ilhas muito pequeninas.
E a Ilha do Fogo tem algumas características que me convidaram a contar essa história, ou seja, primeiro surgiu o Fogo e, depois, nasceu a história de “Hanami”. A ilha Tem características que, considero, convidam a explorar a narração de uma forma ilimitada, fantástica.
Algumas dessas paisagens são quase inéditas. Para alguém que não sabe, acho que vai ver coisas que nem sabia que existiam, como uma praia de areia escura, totalmente escura, ou um vulcão. Todos esses elementos que me convidaram a escrever a história e que, afinal, fazem parte do filme.
E foi uma necessidade de conhecer melhor o local, de encontrar uma verdade refletida no cinema, que te levou a escolher não-atores para este projeto?
Cabo Verde não tem uma indústria cinematográfica e, como consequência, não existem atores profissionais. Isto falando da Ilha do Fogo, não estamos a falar de Santiago, que é uma ilha considerada um bocadinho mais central.
Estamos a falar de ilhas isoladas, simplesmente. Então, escolher pessoas da ilha foi natural. Podia existir outra opção porque há alguns atores profissionais em Cabo Verde, que trabalham muito com teatro, mas não são necessariamente da Ilha do Fogo.
Para mim era muito importante, como disse antes, conservar a identidade própria das ilhas.
Talvez pudesse ter simplificado as coisas se, para alguns papéis, tivesse escolhido atores de Santiago, ou de São Vicente, mas eu queria ser fiel a tudo o que é o espírito desta ilha.
Foi um grande desafio, mas também acho que acaba por ser uma grande riqueza o que essas pessoas oferecem ao filme. Foi a partir disso que escolhemos trabalhar com não-atores, com quem fizémos muita preparação, para que não pareça que não são atores profissionais.
E interpretam uma narrativa que, do ponto de vista do imaginário, é muito territorial, é muito verdadeira. Gostaria de saber algo sobre esse tema. “Hanami” é um filme sobre duas mulheres, uma mãe, Nia, que parte e deixa uma filha, a Naná, que é, em boa verdade, a protagonista.
No fundo, é um filme sobre crescimento. A Naná vai crescendo, transforma-se, mas há uma mãe ausente e uma criança que se vai tornando adolescente.
Considerando o teu percurso, o teu crescimento na Europa, longe de Cabo Verde, e o caminho que fazes através de uma curta onde encontras a diáspora residente em Portugal, depois chegas a Cabo Verde e desenvolves esta narrativa totalmente cabo-verdiana. Identificas-te mais com a mãe ou com a filha?
Boa pergunta. Creio que faço um trabalho ativo de identificação com todas as personagens, porque senão não consigo escrevê-las, ou não consigo perceber quais as decisões que vão tomar, quais vão ser os desafios, quais são as dores, o que é as faz mais feliz.
Apesar de ter crescido na Europa, acho que não me identifico mais com a mãe, ou menos com a Naná.
Quando fazem essa pergunta eu às vezes respondo também que em cada personagem de um filme há uma parte de mim, de forma consciente ou inconsciente, porque afinal saem da minha mão.
Foi um trabalho muito profundo e, também por isso, o filme demorou anos a desenvolver, porque era uma responsabilidade, para mim, enxergar a verdade de cada personagem. Então, para responder, não me indentifico mais com um lado, ou outro.
Ainda assim, gostava de perceber melhor como sentes o desejo da rapariga, permite-me dizer assim. Ela vai crescendo, de diversas formas, e um dos aspetos do crescimento, da maior maturidade, é revelar que aquele é o lugar a que pertence. É isso também que sentes? Pode fazer sentido?
Eu acho que pode fazer sentido, mas uma das coisas importantes para o meu filme é mostrar personagens que querem coisas diferentes.
Há várias personagens no filme que querem sair da ilha, por motivos diferentes. Há alguns que conseguem, outros que nunca vão conseguir, há outros que vão sonhar conseguir e outros que vão ter que tomar uma decisão em relação a isto.
É sempre uma decisão, ou uma dimensão da vivência, digamos assim, onde o sonho, a contemplação, a imaginação é muito importante.
Isso remete para o título e gostaria de te saber mais sobre o título e sobre a escolha do título.
Em relação ao título do filme é uma palavra japonesa de que eu gosto muito. “Hanami” significa contemplar as flores da cerejeira que abrem na primavera. A língua japonesa tem palavras muito bonitas, como esta, por exemplo.
Podia ser cabo-verdiana.
Alguns cabo-verdianos ficaram confusos e perguntaram-me, ‘não conheço essa palavra’, e tive que dizer ‘é normal que não conheças’. Para mim é uma palavra que contém o espírito do filme, pelo menos para mim, e foi uma palavra que quase me guiou na escrita. Escolhi essa palavra porque é uma palavra de contraste.
Essas flores, no Japão, transformam-se numa chuva de flores quando acaba o ciclo. E em Cabo Verde há uma falta de água muito grande e muito determinante. Mesmo para as pessoas que vivem na diáspora, é um tema muito grande para o cabo-verdiano, a falta de água no país.
Porque ter água, ou não ter água, influi de uma forma tão grande. Lembro-me, quando era criança, perguntava aos meus pais, mas porque saíram de Cabo Verde, se falam tão bem de Cabo Verde? E a maneira mais fácil e simples para me responderem a essa pergunta tão complexa foi ‘porque não há água’.
Então, para mim, “Hanami” é um título sobre contraste. É quase uma palavra que é um sonho de flores, um sonho de chuva de flores, no meio de uma situação quase oposta.
E também temos uma personagem que está a crescer e, para mim, a flor também é um símbolo de crescimento.
Gosto muito de deixar as coisas em aberto. Conheço os meus motivos para dar esse título, mas também deixo em aberto… Há várias maneiras de interpretar esta escolha.
E os espectadores poderão, obviamente, encontrar um significado. Denise, o filme recebeu prémios em diversos festivais, nomeadamente europeus. Gostaria de perceber se há algum prémio que tenha um significado especial para ti.
Acho que podia dizer que todos têm um significado especial, porque vêm de países diferentes, e às vezes é muito surpreendente, como autora, como realizadora, perceber que um júri internacional de vários países possa tomar essa decisão. Diria que o primeiro, que foi no Festival do Locarno, porque foi, de alguma forma, o festival que lançou o filme todo.
Foi um momento muito especial. Uma pessoa nunca espera. Então, sim, diria talvez o primeiro, mas todos ocupam um lugar muito especial, e é uma honra que as pessoas se possam refletir no filme, mesmo apesar de muitas delas nunca terem ouvido falar de Cabo Verde.
É uma coisa que talvez não seja clara. Em Portugal, Cabo Verde está muito presente, mas eu cresci a ter de explicar às pessoas onde é Cabo Verde, que língua se fala. Muitas pessoas pensavam que era na América Latina.
Agora, tenho a possibilidade de ter um filme que explica ainda melhor.
“Hanami” recente vencedor da competição nacional de longas-metragens no IndieLisboa, estreia nos cinemas portugueses a 15 de maio.