19 Mai 2015 23:57
A obra do chinês Jia Zhang-Ke está entrelaçada com a história do seu país. Para citarmos apenas dois exemplos, lembremos "Plataforma" (2000), com o seu retrato dos efeitos da Revolução Cultural, e "24 City" (2008), registando as transformações de Pequim antes dos Jogos Olímpicos. Presente na competição de Cannes com "Mountains May Depart", Jia Zhang-Ke mantem-se fiel aos seus pressupostos.
Com alguma ironia, apetece dizer que estamos perante um filme que tende do realismo para a ficção científica… Isto porque "Mountains May Depart" se divide em três capítulos: o primeiro situa-se em 1999 e dá-nos a conhecer as atribulações de um trio de jovens (dois rapazes e uma rapariga); o segundo, em 2014, observa a acidentada evolução das suas relações; enfim, o terceiro projecta as suas histórias em… 2025!
Escusado será dizer que não estamos perante um filme "futurista". O desenlace do filme decorre de uma especulação dramática perfeitamente verosímil, observando a crescente diferenciação entre gerações (e classes!), inclusive prevendo nos mais jovens a perda de contacto, não apenas com o território chinês, mas também com a língua. Nesta perspectiva, podemos definir "Mountains May Depart" também como um fresco histórico sobre as formas de ocidentalização do país ao longo das últimas duas décadas.
Jia Zhang-Ke, entenda-se, não explora abstracções "sociológicas". "Mountains May Depart" afirma-se como um minucioso trabalho sobre as relações humanas, sabendo coleccionar gestos e comportamentos individuais que são sinais de fenómenos muito mais amplos. Enfim, é sempre bom encontrar um filme que, a partir de personagens muito concretas, sabe enfrentar a densidade da história colectiva.