18 Mai 2017 0:46
O primeiro filme da competição de Cannes/2017 vem da Rússia e chama-se "Nelyubov" — ou "Sem Amor" (de acordo com o título internacional "Loveless"). Se dissermos que a sua personagem pivot é Alyocha, um rapaz de 12 anos que vai viver de forma dramática o divórcio dos pais, poderemos deixar um resumo esclarecedor: estamos perante a história radical de uma solidão capaz de abalar a estabilidade do quotidiano familiar e social.
Em todo o caso, convém acrescentar que tal condição solitária está longe de ser uma componente que coloque o rapaz no centro dos acontecimentos. Esta é a história de uma solidão estranhamente abrangente que se espalha como um vírus — é verdade que o pai e a mãe de Alyocha encontram novos companheiros, mas não é menos verdade que nada disso mascara o facto de cada um dos adultos se identificar por uma solidão ainda maior.
Já conhecíamos o realizador Andrey Zvyagintsev através de vários títulos capazes de dar conta dos movimentos de bastidores da sociedade russa, quase sempre encenando personagens com importante "simbolismo" familiar e até político — lembremos os casos exemplares de "Elena" (2011) e "Leviatã" (2014). Este "Loveless" confirma a sua capacidade de manter essa visão, de novo contando com um fascinante leque de actores.
Maryana Spivak é notável na composição da mãe, sendo também forçoso destacar Matvey Novikov e Andris Keishs, respectivamente como Alyosha e o pai. No limite, eles emergem como peças centrais de um gosto realista que Zvyagintsev tem sabido consolidar de forma sofisticada e, por assim dizer, pedagógica — o seu filme apresenta-se como um retrato do aqui e agora russo, construindo a partir de uma fundamental atenção às contradições do comportamento humano.