19 Mai 2017 18:04
Para muitos, a revelação do húngaro Kornél Mundruczó ocorreu em Cannes, em 2010, com o estranho, perturbante e poético "The Frankenstein Project". Aqui voltou com "Deus Branco" (2014) e o menos que se pode dizer é que o seu universo se faz da estranha confluência de um realismo muito cru com um apelo simbólico que, à falta de melhor, classificaremos como típico dos artifícios da fábula.
"Jupiter’s Moon" aí está, de novo na competição do festival, como confirmação exemplar das suas singularidades. Desta vez, Mundruczó define a sua narrativa a partir de um pano de fundo carregado de dramatismo. Dito de outro modo: este é mais um filme do festival marcado pela crise dos refugiados (e, como é evidente, aguardamos com expectativa o que Michael Haneke fará com tal tema, em "Happy End"). Com um pequeno e insólito detalhe: Aryaan (Zsombor Jéger), o refugiado que está no centro da história, tem o poder de levitaçao, parecendo ser uma figura angelical enviada pelos céus…
A aposta de Mundruczó suscita imenso respeito. De facto, perante uma temática tantas vezes assombrada por clichés mais ou menos moralistas, trabalhar a partir de um dispositivo tao assumidamente artificioso envolve um desafio peculiar que, naturalmente, se transfere para o próprio olhar do espectador. Resta saber o que fazer com tal risco…
Sustentado por recursos técnicos obviamente sofisticados, dir-se-ia que o filme hesita entre o seu apelo metafórico e o consumar de uma intriga "policial" mais ou menos esquemática que, por vezes, parece tomar conta de personagens e situações — em alguns momentos, sentimos mesmo que a exibição de tais recursos se sobrepõe às necessidades dramatúrgicas do projecto. Fica, de qualquer modo, uma viagem desconcertante pelos céus da Hungria.