19 Mai 2023 18:36
“O importante é chegar ao fundo (…) do tema”: o cineasta Wang Bing, em competição em Cannes, autor de um documentário monumental de 3h30 sobre os jovens empregados nas fábricas têxteis chinesas, explica à AFP o seu método de trabalho.
“Youth”, o mais longo da competição, é o resultado de um paciente trabalho de imersão e filmagem, de 2014 a 2019, em fábricas da cidade de Zhili, a 150 km de Xangai.
“Nesta cidade onde me instalei, foi pouco a pouco, ao longo do tempo, que acabei por conhecer todos estes pequenos chefes de oficina e consegui obter deles o máximo de liberdades que podia conseguir e até um apoio muito forte”, explicou numa entrevista à AFP em Cannes.
“Tinha toda a liberdade para fazer o que quisesse”, continuou, mas “demorei muito tempo, cerca de seis meses, a ter liberdade de movimentos”.
Filmar em casa dos pequenos patrões, organizados de forma anárquica, em vez de nas grandes fábricas habitualmente mostradas pelos meios de comunicação social, permitiu-lhe criar uma ligação mais forte com os seus interlocutores e aceder mais facilmente à sua intimidade. E isto, apesar da barreira linguística, uma vez que o cineasta não fala o mesmo dialecto.
Estes laços de confiança pacientemente forjados permitem a este grande nome do documentário, habituado a obras de grande fôlego desde as nove horas de “West of the Rails” (2003), sobre um complexo industrial, mostrar a intimidade invisível de jovens operários chineses empregados das 8h00 às 23h00 nestas pequenas fábricas de vestuário.
A câmara é totalmente invisível e proporciona cenas inesquecíveis de uma juventude que vive em dormitórios degradados, mas que também se assemelha a todas as outras, com os seus pequenos e grandes dramas amorosos, o tempo que é preciso passar. A isto junta-se a exaustão no trabalho ou os embriões da luta social, num sistema implacável em que as pessoas são pagas à peça, e de seis em seis meses.
No total, o realizador de 55 anos, que vive actualmente em Paris, acumulou uma montanha de 2600 horas de excertos, organizados ao longo de meses de montagem.
O filme apresentado em Cannes é apenas a primeira parte, com Wang Bing a explicar que planeia entregar outras duas, para um trabalho final na ordem das 9 horas e 30 minutos.
“As filmagens desenrolaram-se sem problemas com as autoridades”, afirma o realizador, que, no entanto, se mostra pessimista quanto à possibilidade de filmar na China no futuro.
“Vai ser cada vez mais difícil, porque a China está a entrar numa fase da sua história em que a delação ocupa o âmago da sociedade”, afirma. “Os chineses, no seu conjunto, estão a ser confrontados com esta realidade.