22 Mai 2023 11:15

"É tempo de dar lugar a outros": o realizador Martin Scorsese, de 80 anos, explicou à AFP, no domingo, por que razão não se candidata a uma segunda Palma de Ouro em Cannes, onde "Killers of the Flower Moon" foi apresentado fora de competição.

O festival esperou até ao último momento incluir este filme-acontecimento na corrida à Palma de Ouro, que a lenda do cinema Scorsese já ganhou em 1976 com "Taxi Driver".

Mas o filme produzido pela Apple TV, que será lançado em outubro e reúne Scorsese aos seus dois atores favoritos, Leonardo DiCaprio e Robert De Niro, foi afinal apresentado fora de competição no sábado.

"É tempo de dar lugar a outros", declarou o realizador, entrevistado pela AFP no dia seguinte a uma subida triunfal da escadaria com os seus actores e a uma recepção calorosa do filme pela crítica internacional.

"Tenho de me ir retirar, há jovens à espera", continuou. "Gosto de troféus de ouro. Adoro-os", acrescenta o realizador, que ganhou o Óscar de melhor filme em 2007 com "The Departed" e o Leão de Ouro em Veneza em 1995, mas que permanece relativamente pouco premiado em comparação com a amplitude da sua carreira cinematográfica. "Agora estou a concentrar-me no tempo, na energia e na inspiração, que é o mais importante.

"Killers of the Flower Moon" segue os temas clássicos de Scorsese sobre violência, crime e amor, mas é também talvez um dos seus filmes mais políticos. Retrata a forma como os homens brancos espoliaram os integrantes de um povo nativo americano, os Osage, em cujas terras foi encontrado petróleo na década de 1920.

Questões que continuam a assombrar os Estados Unidos um século depois, sublinha o realizador, embora não se trate de "um filme de mensagens" que apenas fale aos persuadidos.


Sarar feridas

A forma como os nativos americanos foram tratados "ainda é uma ferida que precisa de ser sarada", diz Scorsese, e "talvez ao apresentar os factos, isso nos ajude a compreendê-los".

O papel feminino principal é desempenhado por uma actriz de ascendência indígena dos Blackfeet, Lily Gladstone, e muitos dos papéis secundários são desempenhados por Osage, em cujas terras o filme foi rodado.

De Niro e DiCaprio podem também ser ouvidos a largar o inglês por vezes para falar a língua deste povo. "Talvez conhecendo a nossa história e compreendendo onde estamos, possamos fazer a diferença e estar à altura do que o nosso país deve ser", espera Scorsese.

"O país ainda é jovem, ainda sofre das feridas da juventude. Este filme é uma forma de reconhecer isso mesmo", revela. "Vamos mostrar a história e ver o que acontece.

Ele próprio confessa a importância que o cinema teve na sua abertura ao mundo: "Venho de uma época, na América dos anos 50, em que não se podia dizer certas coisas", até que surgiu uma (nova) geração de cineastas "que abordou esses temas", explica.

"Nasci numa família de imigrantes (de origem italiana) onde não havia livros. Por isso, as minhas primeiras informações vieram da rua, depois do cinema, e os filmes levaram-me à música, aos livros…"

Scorsese confessa que há muito sonhava realizar um western, um género com o qual o seu último filme se diverte, virando o campo do bem e do mal de pernas para o ar, com o seu cowboy a chegar à cidade para desempenhar um papel bastante complicado.

"Gosto dos códigos do western, do estilo. Fiquei muito entusiasmado quando vi os cavalos. Mas tinha medo de me aproximar deles!", brinca.

Um arrependimento? O filme passa-se durante a Lei Seca, num estado onde o consumo de álcool era proibido por lei: "Sempre imaginei ir a um saloon ou a um bar, podia ter feito grandes cenas (nesses locais). Mas na altura não havia nada disso".

  • AFP
  • 22 Mai 2023 11:15

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