23 Nov 2023
Uma chuva ácida fatal que surge numa onda de calor, é o foco do filme “Ácido”, exibido fora da competição no Festival de Cannes. O filme foi desenvolvido a partir de uma curta-metragem com o mesmo título.
Numa altura em que as catástrofes e tragédias naturais, passam quase diariamente pela televisão, o realizador Just Phillippot acredita que não são necessárias grandes explicações, nem teorias cientificas.
“Como a Covid-19, que não foi assim há tanto tempo, e outras coisas que se passam no mundo (…) acho que ninguém fica surpreendido, porque este tipo de coisas acontece. Depois, não há uma grande explicação porque na realidade é um fenómeno muito natural. Não há necessidade de explicar. Temos um nível de poluição tão elevado, que provoca catástrofes naturais.”
A ameaça global é sublinhada a partir da história de um pai e de uma filha expostos à chuva ácida que destrói tudo e todos. O filme foi desenvolvido a partir de uma curta-metragem com o mesmo título de Just Phillipot. Nesta nova versão, longa, Guillaume Canet é um operário revoltado e concentrado nas injustiças sociais do mundo do trabalho, que vai ter de mudar o foco das atenções, perante a catástrofe que cai do céu. Para o ator, “Ácido” tem a capacidade de juntar “cinema intimista e cinema popular.(…) é uma pequena história dentro de uma grande história.”
Interessam-me as personagens que estão num momento da vida em que não podem fazer nada.
Sobre a personagem, um homem que reage de forma violenta e sente o impulso da ação, mas que é confrontado com algo que não controla, o ator sublinha que há algo muito interessante em representar alguém ultrapassado por um acontecimento maior.
“Interessou-me por ser violento perante uma injustiça e uma causa verdadeiramente social, mas que se sente abandonado pelo patrão, pela ex-mulher, pela filha que não o apoia, e se vê completamente sozinho. Nessa altura, tem de enfrentar outra injustiça, contra a qual nada pode fazer, que é esta chuva ácida. Isso é algo que me interessa, personagens que estão num momento da vida em que não podem fazer nada.”
Na história, pai e filha tentam fugir da ameaça da chuva, numa narrativa em permanente estado de ansiedade, sem grandes artifícios, mas capaz de igualar as grandes produções de Hollywood que apostam em efeitos visuais.
Just Phillippot admite que não sabe qual seria o resultado se tivesse mais dinheiro para fazer o filme, mas diz estar satisfeito por não ter caído num certo tipo de cinema americano.
“A inquietude do cinema é não ter os meios e poder ter escolha, isso é ótimo! Porque temos de procurar soluções e tem de estar tudo ligado com a criação deste universo fantástico. E pouco a pouco, levar o espectador a um lugar que ele não espera.”
Quando já é tarde
Para Guillaume Canet, a história de “Ácido” tem a particularidade de nos confrontar com algo muito real.
“Há filmes que falam de questões ambientais, para nos dizerem que algo pode vir a ser perigoso. Neste filme mostramos quando já é tarde, quando o fim chegou e não há nada a fazer.”
O ator identifica-se com este lugar, “quando já é tarde demais para falar. E é preciso agir (…) como os animais que pressentem um tsunami. Esse não é momento para questionar se é perigoso ou não, porque é preciso correr!”
“Ácido” é um filme sobre um fenómeno que existe, mas que preferimos pensar que nunca será uma ameaça real. O realizador cria uma narrativa intensa e perturbadora e coloca o público a olhar para o seu reflexo.
“O filme não fala de personagens que não existem, fala de nós. Numa sociedade que é a nossa, e de uma violência que é a nossa. De facto, o filme é um espelho. Pode ser difícil, porque não é um retrato, mas um espelho.”