12 Jan 2024
Aki Kaurismäki tinha uma ideia de melancolia que queria desenvolver, e esse foi o ponto de partida para escrever o argumento de “Folhas Caídas”, atravessado pela guerra na Ucrânia, que surpreendeu o mundo.
Na conferência de imprensa onde apresentou o filme em estreia mundial no Festival de Cannes, Aki Kaurismäki assumiu que a guerra teria de fazer parte da história, porque o cinema tem um papel importante em perdurar o que a memória apaga.
“Era inevitável falar da guerra. Não é possível ignorar até porque o cinema dura eternamente, porque há quem possa ver o filme mais tarde (…) Não podia fazer um filme durante uma guerra, sem a comentar de alguma forma, por isso a guerra aparece na rádio. E não podia fazer outra coisa senão esta história de amor. Acho que o mundo precisa de histórias de amor agora (…) Glória à Ucrânia!”
“É preciso muita coragem para arriscar uma paixão quando ficamos mais velhos.”
Ansa é uma mulher solitária que acaba de perder o emprego num supermercado. Hollapa é um operário desmotivado que se debate com um problema de alcoolismo. Os dois encontram-se por acaso num bar de karaoke. É o princípio de um romance com as habituais notas de comédia e minimalismo do cinema de Aki Kaurismäki.
Alma Pöysti é a atriz que dá vida a Ansa, nome que significa armadilha. “É muito interessante que a mulher seja uma armadilha. O filme é sobre pessoas solitárias, que se encontram tarde na vida e já se desapontaram. É preciso muita coragem para arriscar uma paixão quando ficamos mais velhos.”
Jussi Vatanen é Holappa, um lobo solitário que, segundo o ator, “gosta da solidão e de ficar entregue aos seus pensamentos.”
No elenco figura ainda Alma, a cadela que o realizador adotou, encontrada nas ruas de Braga, em Portugal, onde Aki Kaurismäki passa parte do ano desde há várias décadas.
“Folhas Caídas” é o quarto filme de Aki Kaurismäki, numa estranha tetralogia sobre o proletariado e a solidão da classe operária, iniciada com os filmes “Sombras no Paraíso” (1986), “Ariel” (1988) e “A Rapariga da Fábrica de Fósforos” (1990). E, mais uma vez, como sempre no cinema de Kaurismäki, é um filme político, suspenso numa espécie de passado, mas afetado pela guerra, que ecoa através da rádio.
O realizador, que um dia chegou a afirmar que destruiria o passaporte se a Finlândia entrasse para a NATO, já se conformou com a adesão do país à aliança, ainda que lamente o que isso significa.
“A Finlândia é uma democracia, e se 75% da população diz que quer entrar na NATO por razões de segurança, quem sou eu para discordar. Se não tivesse havido uma guerra, talvez. Porque a independência é a nossa única defesa e também o facto de sermos teimosos.”
“Folhas Caídas” venceu o grande prémio do Juri do Festival de Cannes, foi também galardoado em San Sebastian e é o candidato da Finlândia à nomeação para melhor filme internacional, nos Óscares da academia de Hollywood. É um filme de esperança em tempos estranhos. Uma história de amor e encantamento em tempo de guerra.