28 Fev 2024
A realizadora suíça Jeanne Waltz estreia esta semana o filme “O vento assobiando nas gruas”, uma história de amor nos anos 1990, mas também um fresco sobre preconceito e racismo que ainda permanece atual, afirmou a autora à Lusa.
Jeanne Waltz, 61 anos, cineasta suíça há muito radicada em Portugal, pegou no premiado romance de Lídia Jorge e verteu-o para uma longa-metragem de ficção, interessada sobretudo nas personagens, no seu relacionamento e na dicotomia presente em várias camadas de histórias.
“Percebi imediatamente que havia uma hipótese de filme. (…) O que me chamou a atenção foi sobretudo a Milene e aquelas ondas todas de vida, do Algarve, de classes sociais. Daquelas coisas todas que estavam presentes e que enriqueciam tanto o retrato daquela mulher”, contou a realizadora.
“O vento assobiando nas gruas”, publicado em 2002, é protagonizado por Milene, uma jovem que, depois da morte da avó, se depara com uma família de tios que a despreza por causa de um problema de desenvolvimento mental.
À procura de respostas pela morte da avó, Milene ruma às instalações desativadas de uma antiga conserveira da família, onde conhece uma família cabo-verdiana emigrada, que ocupou a fábrica, e onde se apaixona por Antonino Mata.
O filme, que resulta de uma coprodução entre Portugal e a Suíça, foi rodado em 2021 no sotavento algarvio, em particular em Tavira, e foi interpretado por atores amadores e profissionais, nomeadamente Rita Cabaço, Milton Lopes, Beatriz Batarda, Carla Maciel, Isabel Cardoso, Maria Fortes e Dino D’Santiago, que compôs para a banda sonora.
Jeanne Waltz quis focar-se naquele choque entre dois mundos, o de Milene Leandro e o de Antonino Mata, o de uma família portuguesa, burguesa e abastada e o de uma família cabo-verdiana que procurou melhor vida em Portugal.
A narrativa situa-se nos anos 1990 e aflora o ‘boom’ de construção no Algarve, o pós-revolução de abril de 1974, “a história da tristeza dos ideais falhados”, mas todos os temas também podiam ser ainda os da atualidade, reconheceu Jeanne Waltz.
O arco temporal do filme também coincide praticamente com a vida da realizadora. Nascida em 1962, na Suíça, viveu os primeiros anos da vida adulta em Berlim e em 1988 rumou a Lisboa, onde se fixou até hoje a trabalhar em cinema.
A autora recorda que foi para Berlim em 1981 para estudar japonês, mas acabou envolvida numa estrutura associativa que geria uma pequena sala de cinema. Também colaborava com o festival de cinema de Berlim, através do qual conheceu o realizador português Joaquim Pinto, que lá apresentou o filme “Uma pedra no bolso”.
“Ele também queria produzir e queria abrir uma sala (de cinema) em Portugal e perguntou-me se eu não queria fazer isso. E eu ‘oh la la’…. estava de partida, queria ir ao Japão, mas nunca cheguei ao Japão, fiquei presa aqui”, recordou.
A partir daí, Jeanne Waltz fez o que havia para fazer no cinema português, como motorista, decoradora, argumentista, editora, realizadora. Trabalhou em projetos de João César Monteiro, Manoel de Oliveira, Manuel Mozos, Paulo Rocha, José Álvaro Morais. Rodou algumas ‘curtas’ e três longas-metragens.
Desses primeiros anos em Lisboa, Jeanne Waltz recorda que “era uma cidade absolutamente maravilhosa”, mas considera que ainda está por cumprir uma relação descolonizada com alguma imigração.
“Nos anos 1990, ainda era o fim de um tempo… Começavam a vir as pessoas do fim do bloco soviético, as pessoas de cor em Portugal eram das antigas colónias. E agora há gente do mundo inteiro e isso dilui muito as coisas, mas acho que continua a ser a mesma coisa”, em termos de representatividade na sociedade portuguesa, disse.
Jeanne Waltz lamenta não ter feito mais longas-metragens por falta de financiamento e não escrever mais argumentos para outros realizadores. “Eu adorava escrever, mas desde que o José Álvaro de Morais morreu (em 2004), mais ninguém me pediu”, disse.
Atualmente está a trabalhar numa longa-metragem de animação, com a produtora Ocidental Filmes, depois de ter concluído, em 2019, um mestrado em animação.
“Como não conseguia financiamento para projetos antes deste (‘O vento assobiando nas gruas’), resolvi fazer animação. As equipas de animação são maiores do que as equipas de imagens reais, mas a animação também se pode fazer sozinho em casa e resolvi fazer isso, porque sempre desenhei. (…) Portugal é um bom país para animação. Tem pessoas ótimas”, disse.
“O vento assobiando nas gruas”, produzido pela C.R.I.M., estreia-se esta semana nas salas de cinema.