01 Mar 2024
Entre o realismo e a fábula, o realizador italiano Matteo Garrone conta a travessia de dois miúdos que saem do Senegal para a Europa, em busca do sonho de se tornarem estrelas de música rap. Uma história premiada no Festival de Veneza e que está a caminho dos Óscares, candidato por Itália, na categoria de melhor filme internacional.
“Eu Capitão”, resulta de uma pesquisa feita junto de migrantes que enfrentaram os perigos da viagem e cujos relatos foram convertidos numa espécie de filme de aventura. O sonho de Sedou e Mustapha é o de muitos que deixam o continente africano rumo à Europa, em viagens que tantas vezes terminam em tragédia.
Para o realizador italiano Matteo Garrone, a ideia de um sonho que conduz à aventura foi o motor para contar a história dos dois rapazes.
“O ponto de partida é mostrar o que existe do outro lado. Há décadas que vemos barcos que chegam ao Mediterrâneo. Às vezes, as pessoas chegam vivas, outras vezes não. E nós, vamos fazendo o ritual de contar os mortos. Com o tempo, habituamo-nos a ver estas pessoas como números e perdemos de vista o facto de que são pessoas e famílias, com sonhos e desejos.”
Sedou e Mustapha são os dois rapazes que no filme rumam à Europa e, na vida, experimentam pela primeira vez o cinema, emprestando os nomes próprios às personagens que desempenham. É uma forma de dar um cunho de realismo ao filme e manter-se fiel às histórias reais. Para Matteo Garrone era importante “dar outro ponto de vista para lá do roteiro geográfico e para lá do filme de viagem.”
Esta é uma história focada na forma como dois rapazes decidem desafiar o desconhecido, mas como sublinha o realizador, é também a história de muitos rapazes que vivem na miséria e sonham com uma vida mais digna.
“Sabemos que 70% da população em África é composta por jovens. E esses milhões de pessoas estão dispostos a arriscar a vida por um futuro melhor e para escapar a uma miséria absoluta. Eles procuram o reconhecimento e sustento e uma forma de conseguirem trabalhar para ajudar as suas famílias em África.”
O destino final dos dois miúdos é a Itália de todos os sonhos, mas pelo meio, enfrentam a realidade das redes de tráfico humano e o desafiante deserto da Líbia, onde os migrantes arriscam a morte, ou os campos de detenção.
Confrontado com o lado político da história, Matteo Garrone assume que “não quis aprofundar o aspeto político, daquilo que a União Europeia pode ou não fazer (…) Aquilo que faço é contar uma viagem, que funciona como um arquétipo, da viagem de um país pobre para um país mais rico (…) Acho que é um filme que se desenvolve num plano mais universal, mas que afronta um problema muito complexo, que eu acho que não se resolve facilmente nos próximos anos.”
Os problemas reais associados à crise migratória são parte da aventura de Sedou e Mustapha na viagem até à Europa, mas não são o foco de “Eu Capitão”. Matteo Garrone volta a fazer um equilíbrio entre realismo e espetáculo, que lhe valeu vários prémios no Festival de Veneza, entre os quais o de melhor realizador e de ator revelação, para Sedou Sarr, um dos jovens da dupla de aventureiros.
A fórmula serviu também para convencer os membros da academia de Hollywood que lhe deram a nomeação ao Óscar de melhor filme internacional.