05 Jul 2024
“Horizon: Uma Saga Americana”, realizado por Kevin Costner, é uma imersão na história dos Estados Unidos, da formação do país, expondo as verdades sobre a colonização e a guerra civil.
O cineasta recorda como a Europa teve um papel ativo neste processo:
“Os filmes têm sempre a possibilidade de relacionar-se. Nós não somos assim tão diferentes. Talvez não partilhemos a mesma língua, ou costumes, mas se pensarmos, a América não é assim tão antiga em comparação com o resto do mundo. Foi colonizada por europeus, por pessoas que começavam a perceber que se conseguissem atravessar o Atlântico, havia uma promessa de que havia uma terra tão grande onde podiam ter o que não tinham na Europa. Era como o Jardim do Éden. O que não perceberam é que já havia aqui um povo que esteve a florescer durante anos.”
Depois de “Danças com Lobos”, do “Mensageiro”, de “Open Range – A Céu Aberto”, Kevin Costner regressa à realização e tem também um dos papéis principais.
“Horizon: Uma Saga Americana – Capítulo 1”, que esta semana chega às salas portuguesas, é o primeiro filme de um conjunto de quatro. Kevin Costner considera que a história da América é demasiado grande para um único filme:
“Primeiro pensei num único filme e quando não fui capaz de fazer esse filme decidi então que faria quatro. O que fiz foi reformular a primeira história. Como muitos westerns começam numa cidade, esquecemo-nos das pessoas que estavam lá antes de a primeira estaca ter sido colocada no chão. É essa a primeira margem que temos em “Horizon”, uma estaca no chão de onde saem formigas. É uma metáfora para o caos que começámos.”
A conquista do Oeste é um território onde Kevin Costner se movimenta bem. Entrou em vários westerns e o avô, natural do Indiana, tinha origens indígenas. “Horizon: Uma Saga Americana”, é uma ideia original. Um projeto com mais de 30 anos que desejava concretizar e conferir a autenticidade, mostrar o que realmente aconteceu:
“O filme parece-me autêntico e parece-me óbvio que não se pode ter a história do Oeste sem a história do primeiro povo. Nós atirámos o modo de vida deles para o caos. Eles nunca recuperaram. Estou ciente disso, mas também estou ciente das pessoas que vieram para cá, que atravessaram este país e da desenvoltura que exigiu para moldar uma vida. Tudo isso lançou estas duas culturas no caos e foi uma luta unilateral. Foi injusto. Não quero reinventar a história, ou acertar as contas, mas não posso fazer um filme sobre o Oeste americano sem que os indígenas estejam envolvidos.”
O realizador procura recuperar a dignidade dos povos nativos e questionar como foi possível expulsá-los da terra que lhes pertencia. O filme apresenta não só o ponto de vista dos colonizadores, mas também o dos indígenas:
“Ao contar esta história, não nos aprofundamos tanto nas histórias dos nativos americanos como eu gostaria. Eu não finjo que sou um nativo americano, mas nunca se esqueçam que os nativos americanos se tornaram incómodos. Como é que isso aconteceu no seu próprio país? Tiveram de fugir para salvar a vida, o modo de vida, a religião, os filhos. E isso nunca pode ser minimizado. As nossas impressões digitais estão por todo o lado.”
Costner já venceu dois Oscars, quatro Globos de Ouro, conquistou um César Honorário e um Urso de Prata em Berlim. É ator, realizador, produtor e músico. Em “Horizon: Uma Saga Americana”, tem o papel de um fora da lei, mas a personagem não surge logo no início da narrativa. Não foi uma escolha intencional e resultou do processo de entrelaçar os vários enredos do filme:
“Foi um processo. Não sei como o faço. É como se apenas soubesse quando acontece. Eu não entro no filme durante a primeira hora. As pessoas perguntam-se sobre isso. Não questiono sobre essa escolha porque acho que as pessoas que estou a ver são tão interessantes, tão dominantes. Esta história vai deixar o público entrar nela, fechar os olhos, abri-los no escuro do cinema e ir até o Oeste connosco.”
“Horizon: Uma Saga Americana”, abrange os quatro anos da Guerra Civil, de 1861 a 1865 e a conquista do Oeste que não se fez sem as mulheres. Kevin Costner atribui-lhes o papel principal e aponta o foco para a liderança da atriz Sienna Miller:
“As mulheres são as nossas grandes protagonistas. Mas a Sienna era a nossa líder. Ela é a luminosa. Puxou por mim, por tudo o que eu tinha. E todos fizeram o mesmo. Vou dar um exemplo, o filme “Danças com Lobos” demorou 106 dias a fazer e “Wyatt Eart” demorou 113. Este filme foi feito em apenas 52 dias e estes atores nunca afrouxaram. São ótimos! Pessoas muito especiais. As cenas exteriores não eram fáceis, mas nunca vacilaram. E isso começou com a Sienna, com a forma como ela se comportou.”
O realizador escolheu Sienna Miller para retratar uma mulher real no período da Guerra Civil nos Estados Unidos. A atriz, modelo e estilista interpreta a personagem de Frances, cuja família é atacada:
“Ela é uma sobrevivente”, diz a atriz.
“A Frances é tão corajosa. Penso que contar uma história sobre o início da América, sem incluir mulheres, é realmente falso. O Kevin criou estas personagens incríveis e acompanha a contribuição delas, não só para a colonização da América, mas acompanha também as lutas internas. Acho que todas as personagens têm algo a acontecer. A minha é incrivelmente corajosa e também ressentida, mas com uma visão do futuro e comprometendo as próprias necessidades pelo bem da filha. Naquele tempo, penso que ninguém previu como seria perigoso. Não sabiam no que se iam meter. Uma viagem de meses com crianças e animais, não havia como retroceder. Tenho muito respeito por quem fez isso.”
Abby Lee tem o papel de Marigold, uma prostituta que se cruza com a personagem de Kevin Costner. A atriz e modelo australiana coloca-se no lugar das mulheres daquele tempo que não tinham direitos:
“A maioria das minhas cenas são com a personagem do Kevin. Como realizador, ele é realmente apaixonante, tem muita energia. Como ator, é tranquilo e gentil. A minha personagem, Marigold, foi forçada à prostituição. Na época, a mulher não tinha direitos, não tinha liberdade, não era independente, não podia ter sonhos. Eu interpretava uma mulher a transbordar de desejo, de vigor e paixão, numa altura em que isso não era permitido. Essa não era uma liberdade dada às mulheres. Ser capaz de interpretar estas personagens onde os sonhos são esmagados, está-se num espartilho onde não se consegue respirar, não se consegue mexer, isso cria uma sensação de prisão e de frustração.”
Tal como em “Danças com Lobos”, Kevin Costner integrou atores indígenas no elenco. Wasé Chief, da tribo Lakota, atriz e modelo, aprendeu e sentiu a responsabilidade de ser fiel à língua apache:
“O Kevin certificou-se de que íamos aprender a verdadeira língua apache. E para fazer justiça à nação apache, todos nós queríamos ter a certeza de que aprendíamos a língua corretamente e fazê-la soar bem. A professora era ótima. Havia muita pressão para nos certificarmos de que estávamos a representar o nosso papel de forma correta e a garantir que o Kevin estava contente com o trabalho final.”
Owen Crow Shoe é outro nativo americano, conhecido por entrar no filme “O Renascido”. Em “Horizon: Uma Saga Americana”, tem o papel de um guerreiro apache:
“A minha personagem, Pionsenay, era um tipo muito pacífico. Achava que os apaches deviam estar sempre juntos. Mas depois, quando os colonos começaram a invadir a terra dos apaches, tem de tomar a difícil decisão de ser a resistência contra a invasão. Então, escolhe separar-se da tribo original.”
O comediante e ator Tatanka Means, com raízes indígenas, aplaude a presença de atores provenientes de comunidades indígenas:
“Somos atores nativos, não somos apaches, mas somos membros registados da tribo. Estou grato ao Kevin por nos escolher, porque muitos dos nossos papéis são de pessoas que reivindicam os povos indígenas, o sangue ou a ancestralidade. Perdemos muitas vezes esses papéis importantes. Ter esta bênção de retratar o povo, o apache e de falar o dialeto foi importante para nós. Quando vemos o nosso povo no ecrã, a ser representado, queremos essa autenticidade. Queremos ouvir a nossa língua a ser falada corretamente. Isso traz-nos orgulho. E não só para o povo apache, mas para todos os povos indígenas nativos na América do Norte.”
“Horizon: Uma Saga Americana”, é a história da formação dos Estados Unidos, contada em quatro longas-metragens. O primeiro capítulo, apresentado no Festival de Cannes, pode ser agora visto nas salas de cinema.
O segundo capítulo, tem estreia em Portugal marcada para 22 de agosto.