18 Jul 2024
O encontro de um homem e de uma mulher é o pretexto de Michel Franco para explorar a construção da identidade humana a partir da memória. Jessica Chastain é Sylvia, uma assistente social que vive com a filha mergulhada em mecanismos de segurança. Peter Sarsgaard é Saul, o homem que decide segui-la, mas não sabe exatamente por quê.
Michel Franco, realizador mexicano premiado em festivais internacionais com filmes como “Depois de Lúcia”, “Chronic”, “Nova Ordem”, ou “Sundown-Crepúsculo”, escreveu o argumento a partir da ideia de duas pessoas que se descobrem:
“Não sabia que estava a escrever um filme sobre memórias até terminar o primeiro rascunho. Comecei por saber que as duas personagens se iam encontrar numa reunião da escola e, de alguma forma, ele vai atrás dela. Não sabia o porquê, nem sabia que eram estas as pessoas, mas a ideia principal era essa. Depois, pelo processo de escrita, comecei a descobrir e a aprender as personagens. Reparei que tinha um conceito interessante de memória. Aconteceu de forma natural, não foi nada planeado. Soube logo que o título do filme tinha de ser ‘Memória’.”
À medida que a história avança, Michel Franco revela-nos que Sylvia é uma mulher marcada por um trauma da adolescência que tenta esquecer, enquanto Saul é um viúvo que sofre de demência precoce e tenta a todo o custo lembrar-se de quem é e do que lhe aconteceu na vida:
“’Memória’ é um filme que aborda questões que nos assombram e que nem sempre queremos enfrentar. Um dos meus maiores medos é perder a minha sanidade, isso é o que me atrai para a demência. Se não sabemos quem somos, será que ainda somos nós? Isso traz muitas questões interessantes e estimulantes, e todo o drama e tudo de difícil que a demência traz e como é comum, como as pessoas esquecem que existem e não querem discutir estes temas difíceis.”
A dupla Jessica Chastain e Peter Sarsgaard é um dos grandes trunfos do filme. O realizador começou por escolher a atriz e ela decidiu quem seria o seu par:
“Gosto de trabalhar de forma muito profunda com os atores. Como sabia que este filme assenta muito na química, perguntei à Jessica quem seria o par ideal. O nome do Peter foi o primeiro que ela referiu.”
Jessica Chastain confirma que foi a escolha acertada:
“Às vezes os atores mudam o argumento, ou a história, para se encaixarem, mas o melhor acontece quando nós nos mudamos para encaixarmos na história. E o Peter é assim, vejo isso em tudo o que ele faz.”
Peter Sarsgaard saiu do Festival de Veneza com a Taça de Volpi de Melhor Ator, com um desempenho inspirado na vida real:
“Foi uma coisa mágica este filme ter aparecido na minha vida. Pedem-me para representar alguém que tem demência aos 52 anos e o meu tio teve aos 48. Acho que o facto de ele ter sido alguém muito próximo deu-me imenso para este papel. Ele era muito positivo e muito feliz. E manteve-se assim até morrer. Morreu num lar durante a COVID-19, quando os funcionários deixaram de estar a trabalhar.”
“Memória” explora as fragilidades humanas através dos traumas, das incapacidades, das limitações e de uma questão fundamental de perceber como construímos a nossa identidade, mas é também, e de forma surpreendente, uma história de amor. Um momento mais luminoso na carreira do realizador:
“Tento fazer um filme por ano, mas não porque quero transformar-me numa máquina de fazer filmes. Para mim é exatamente o contrário. Os filmes são uma forma de expressão muito pessoal. Acho que se passar anos à volta de um argumento, não vai refletir sobre o momento em que estou na minha vida.”
E “Memória”, afirma o realizador, “era o momento em que estava na minha vida”.
Acerca do processo de criação, prefere a simplicidade aliada ao trabalho:
“Tento não pensar muito sobre isso. Trabalho imenso. Escrevo e reescrevo, mas depois tenho de avançar para o filme. Não sei qual é o género. Nem estou a apontar para um público específico. Não tenho sequer um plano de carreira. Não sou ambicioso dessa forma. Aquilo que quero é fazer bons filmes. E isso já é difícil.”
Michel Franco tem construído uma carreira sólida com filmes que abordam temas complexos, ou que projetam dilemas e inquietações de forma marcante e profunda.
“Memória” é o encontro de um casal, mas é também uma abordagem e uma interrogação sobre a natureza das relações humanas.