12 Set 2024
“Ubu” traz para o cinema um rei cruel e grotesco, uma personagem criada pelo escritor francês Alfred Jarry.
O realizador Paulo Abreu apresenta a história do rei que chega ao poder usurpando o trono:
No fundo, ele torna-se rei porque usurpa a coroa de outro rei, influenciado pela sua esposa, que é uma personagem maléfica. O Jarry inspirou-se um bocado na Lady Macbeth, porque a própria peça acaba por ser uma paródia ao Shakespeare, tanto que usa muitas coisas parecidas com o Shakespeare. Tem um urso, tem fantasmas, tem uma mulher maléfica.
A partir da peça “Ubu Rei”, escrita no século XIX pelo dramaturgo francês Alfred Jarry, um dos percursores do teatro do absurdo, Paulo Abreu estreia-se na realização de uma longa-metragem de ficção.
O Jarry escreveu esta peça com 15 anos. Era uma crítica a um professor de física que eles odiavam, chamado Hébert. A partir daí, surge este personagem que tem todos os defeitos do mundo, uma pessoa tirânica, cruel, é muito estúpido, mas, ao mesmo tempo, dentro dessa violência toda e crueldade, ele tem piada.
O que acho muito interessante e que também adaptei ao filme, é que esta peça foi a primeira estreada, em 1888, num teatro de marionetas, num teatro que se chamava Teatro das Finanças, que depois é uma palavra que ele uso muito também.
Depois, quando foi estreada, mais tarde, em 1896, por atores de carne e osso que, no fundo, se comportavam como marionetas, aquilo foi um escândalo terrível, a peça só teve dois dias em cena, e isso interessou-me muito.
A identificação do Rei Ubu com os ditadores atuais ajudou Paulo Abreu a decidir realizar o filme.
Quem me deu a ideia de fazer este filme foi um colega meu e amigo, que é o André Gil Mata, que também é cineasta, do Porto, e ele convenceu-me a fazer o Rei Ubu.
Na altura, não fiquei muito convencido, porque já existiam vários filmes, várias animações também. Ao mesmo tempo, estavam no poder, nessa altura, o Trump, o Bolsonaro… políticos mundiais com quem o personagem era um bocado parecido, apesar de tudo.
De repente, achei que era uma boa ideia, e resolvi fazer a adaptação. Acabei por convidar o André, porque ele é muito bom ator, para ser todo o exército russo do meu filme.
O guião do filme foi escrito a partir da adaptação de Alexandre O’Neill. As cartas escritas pelo escritor francês Alfred Jarry, com indicações para a encenação da peça, guiaram Paulo Abreu na realização de “Ubu”.
Tive ideias a partir de cartas que o Jarry escreveu para encenadores, sobre a maneira como ele queria que a peça fosse encenada.
Retirámos esse exagero nas roupas e na ausência de cenário, deixámos o exagero na representação, e adaptámos algumas ideias de encenação que ele tinha, que eu acho que resultam bem no filme, e que, dado o nosso baixo orçamento, nós teríamos que aproveitar a nosso favor, torná-los cómicos.
Por exemplo, a batalha, coisas assim, que é uma batalha com muito pouca gente, mas nesta peça vale tudo. Eu acho que isto pode ser feito de milhares de maneiras. Isto foi só uma maneira diferente de a fazer.
“Ubu” é um filme a preto e branco. É uma opção estética do cineasta. Paulo Abreu decidiu também afastar-se do cenário proposto para a peça de teatro.
Os atores usavam umas máscaras enormes, umas roupas muito exageradas, não havia cenário. Depois de ver um filme que existe, de 65, se não me engano, do Jean-Christophe Averty, onde está a encenação mais fiel à original, achámos que tinha mais interesse, íamos exatamente para o lado oposto, ao nível visual. Fui para um lado mais clássico. Então apostámos numa imagem radicalmente oposta à encenação original. Mas assim ia sobressair ainda mais a estranheza do texto, porque o texto é muito violento, é cómico.
O preto e branco, além de eu adorar o preto e branco, também se prende muito com o facto de usarmos objetos falsos, como espadas, por exemplo. Há lá uma parte em que o chão é todo falso, mas no preto e branco não parece, parece pedra.
Quanto a mim, acho que é muito mais fácil o espectador entrar logo noutro universo, sendo a preto e branco.
O realizador, Paulo Abreu, escolheu os atores Miguel Loureiro e Isabel Abreu para os papéis principais.
O Miguel eu conhecia do teatro e sempre achei que ele era um excelente ator. O Isabel Abreu o faz mais cinema, com a vantagem de se darem muito bem. E sabia que iam fazer aquilo bem, porque eram atores que já tinham feito, por exemplo, Shakespeare.
Depois houve uns que até foi o Miguel, por exemplo, que me sugeriu. Por exemplo, o João Grosso, que eu conhecia, mas não me tinha lembrado dele para o papel de Czar. Depois o Ivo Alexandre, de que gosto muito dele como ator. O Dinarte Branco, também…
São todos atores que admiro muito e que sabia que iam fazer bem. Porque o texto é maluco. Não pode ser dito de qualquer maneira, senão não tem graça nenhuma.
As filmagens de “Ubu” repartiram-se entre o Ribatejo e o Alentejo. Para um filme de época, escolher os locais de rodagem não foi uma tarefa fácil, recorda Paulo Abreu.
Houve uma altura que queríamos pôr medieval, depois começámos a pensar que deveria ser século XVI e começámos a escolher décores por aí, mas sempre com esta coisa de que não podia ser um castelinho com ameias, porque senão era o Portugal típico, demorámos imenso tempo a encontrar os decores.
Ao princípio queria rodar em Montemor-o-Novo, mas quando chegámos lá estava em obras. Foi uma verdadeira dor de cabeça encontrar estes decores.
Acabámos por filmar numa ruína em Tomar, no claustro, em Évora Monte, em Elvas, numa cisterna e num forte em Santarém.
“Ubu” esteve no LEFEST e num festival de cinema na Argentina. Apesar do texto original ter sido escrito no século XIX, continua atual, reconhece o cineasta.
É sobre a embriaguez do poder, sobre como uma pessoa se transforma quando tem poder, sendo que neste texto é tudo muito exagerado. Mas, hoje em dia, por incrível que pareça, cada vez surgem mais pessoas que cometem ações deste género.
O filme estreou mundialmente na Argentina, onde, hoje em dia, têm um presidente que também parece o Ubu, que é o Milei, que se comporta daquela maneira, eu diria, quase absurda também, não é?
No fundo, é como se o personagem fosse um arquétipo de todos os ditadores que, entretanto, apareceram desde que a peça foi escrita escreveu isto. Infelizmente, os Ubus multiplicaram-se pelo mundo fora. E continuam aí. Por isso, acho que esta peça vai estar sempre atual.
“Ubu”, uma sátira política, o retrato de um ditador que se repete ao longo dos tempos chega esta semana aos cinemas portugueses.