22 Nov 2024

O novo filme “Emmanuelle” mantém a cena do avião, mas não tem o cadeirão de verga. Não é uma recriação do clássico de 1974. Traz uma perspetiva contemporânea do erotismo no cinema.

“Emmanuelle”, do realizador Just Jaeckin, com Sylvia Kristel, apesar de ter marcado uma época, é desconhecido das novas gerações. Noémie Merlant, que tem o papel de Emmanuelle na nova versão, faz parte desse grupo.

Na estreia, no Festival de San Sebastián, a atriz francesa revelou que foi um desafio ainda maior perante o sucesso da longa-metragem dos anos 70:

Nunca tinha ouvido falar de “Emmanuelle”. Não li o livro, não vi o filme. Falei com as pessoas à minha volta e elas diziam que é demasiado perigoso. Olha o que aconteceu à Sylvia Kristel.

Pensei, se as pessoas estão tão assustadas, isto significa que há algo para falar. E depois era participar de uma experiência de falar de erotismo e de sexo a partir do olhar de uma mulher realizadora.

Emmanuelle, eu identifiquei-me com ela. No início do filme, temos uma mulher que segue as regras da sociedade. Não sente prazer, sempre tentou fazer as pessoas felizes e satisfeitas.

É como um robô. Fazemos esta viagem com ela, quando está a tentar ser realmente, ela própria.

A cineasta Audrey Diwan, realizadora de “O Acontecimento”, premiada com o Leão de Ouro em Veneza, também não viu o filme com Sylvia Kristel.

Por curiosidade, leu o livro “The Joys of a Woman”, de Emmanuelle Arsan, que inspira a personagem. O que a levou a refletir sobre um erotismo que oscila entre o que se vê e o que se sugere:

Interessou-me, no início do livro, uma longa discussão sobre o erotismo.

Quando se fala de erotismo, é o que se esconde e o que se mostra. O filme, nos anos 70, ficou gravado na memória de toda a gente porque abriu o enquadramento. Aqui, estou a tentar fazer outra coisa.

Estou a restringir o enquadramento para convocar a imaginação do público, pois, hoje em dia, se quisermos, podemos ver tudo. Temos a internet e a pornografia. Pensei numa mulher a quem dei o nome de Emmanuelle.

Ela faz perguntas sobre a relação com o prazer. Ela não sente prazer, mas eu tensionava falar apenas do prazer sexual. Queria interrogar-me sobre a forma como tratamos o prazer na sociedade.

É-nos pedido que lucremos, que cheguemos ao clímax, que sejamos o melhor de nós próprios e bem sucedidos.

Depois, pensei naquela mulher e no seu corpo e como se relacionava com aquele mundo.

Audrey Diwan, que escreveu o argumento em conjunto com a cineasta francesa Rebecca Zlotowski, procurou afastar-se do filme erótico e concentrar-se mais no livro. Como uma adaptação feminista, contar a história de uma mulher à descoberta da intimidade e do prazer:

Foi emocionante falar sobre o que é o prazer feminino, o sistema complexo que temos dentro de nós, como funciona e de onde vem a fantasia. Mas se quisermos voltar a ser nós próprios, temos de criar algum espaço para nós e para o outro.

É preciso fantasiar. Temos de dar tempo e passo a passo criar uma história na nossa mente. Para o meu projeto, foi-nos pedido, enquanto mulheres, que nos envolvêssemos na experiência dos homens durante a maior parte das nossas vidas.

Foi-nos pedido que nos projetássemos na experiência masculina a nível sexual. Acredito que podemos trabalhar para além do género e isso também funciona do lado oposto, que todos podem tentar estar no corpo da mulher.

Não gostaria de falar só sobre o prazer feminino. Se fosse um filme para mulheres e mais ninguém estivesse envolvido, acharia triste.

No Festival de San Sebastián, Audrey Diwan explicou que não quer impor uma ideia de erotismo e quer dar ao público a liberdade de interpretação e de imaginação.

Pretende que a nova versão de Emmanuelle não se reduza a um filme só para mulheres:

Há muitas definições de erotismo. O que tentei fazer não era imaginar o erotismo apenas em termos específicos apenas através da sequência sexual, mas criar uma atmosfera especial que faz com que as pessoas olhem umas para as outras.

As palavras podem ser erotismo. Até uma tempestade pode ser erotismo. O nosso trabalho conjunto foi encontrar o tom certo para dar espaço ao público para projetar as próprias sensações e para interpretar o filme à sua maneira.

Decorridos 50 anos após o filme de culto do cinema erótico, “Emmanuelle” regressa numa versão política e feminista, sobre o desejo e a liberdade sexual da mulher.

Estreia esta semana nas salas portuguesas.

  • Margarida Vaz
  • 22 Nov 2024 23:14

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