O filme “The Dead Don’t Hurt – Até ao Fim do Mundo”, de Viggo Mortensen, é um western que se distingue dos filmes do género ao contar uma história que acompanha o percurso de uma personagem feminina durante a conquista do oeste americano:

Para mim, é como os velhos westerns clássicos. Tentei fazer com que se parecesse e se sentisse assim. Mas é claro que ter uma mulher como personagem principal é invulgar, especialmente uma mulher mais ou menos comum. Não se vê isso muitas vezes nestes filmes. Nestas histórias, quando o companheiro vai para a guerra, a mulher vai atrás dele. Aqui não. Isso torna-o diferente, claro. A estrutura é um pouco diferente.

O western é um género de que Viggo Mortensen gosta muito. Recorda-lhe a infância, quando via esses filmes e quando aprendeu a montar a cavalo. Um passado que ajudou o realizador dinamarquês e norte-americano a ser fiel à época:

A música, a forma como as pessoas falam e se vestem, como são os edifícios, como os cavalos são montados, as carroças, tudo o que vê, tentei ser historicamente rigoroso. Inspirei-me em filmes antigos e vi muitas fotografias históricas da época. Gosto muito do westerns. Cresci com eles, tal como a maioria das crianças da minha geração. Também aprendi a andar de cavalo quando era pequeno. Gosto dessas paisagens e de tudo o que tenha cavalos.

Quando via os filmes, observava se os atores cavalgavam bem ou não. Interessava-me por este tipo de coisas. Ao perceber que íamos fazer um western, diverti-me na preparação e usei muitos dos conhecimentos que tinha, da minha experiência com cavalos e de ter assistido a este tipo de histórias. Além de que também participei como ator em alguns filmes do faroeste.

Quando escreveu o argumento, Viggo Mortensen imaginou uma jovem que lhe lembrava a mãe. Depois, sentiu vontade de contar a história de uma mulher normal e de como se vai relacionar com o mundo que a rodeia durante a Guerra Civil:

O meu ponto de partida é sempre visual. Aqui foi uma menina que se vê na floresta. Uma menina um pouco travessa, muito independente, de espírito livre. Pensava na floresta onde a minha mãe cresceu, no nordeste dos Estados Unidos, perto da fronteira com o Canadá.

Para a filmagem encontramos uma floresta que tinha o mesmo tipo de declive, as mesmas árvores, tudo.

Quando o meu irmão viu o filme, pensou, é exatamente igual. E a menina tinha uma personalidade parecida com a minha mãe. Muito curiosa sobre as pessoas, sobre a vida. Uma aventureira, mas também uma personagem como a Vivienne, uma mulher comum, mas com uma força interior extraordinária.

Pensei, que tipo de mulher é que ela se vai tornar? E a história vai-se passar onde e quando? Não na época da minha mãe, mas que fosse no século XIX e depois vinha para o Oeste. Porque ser uma mulher independente naquela altura, naquele lugar, era muito mais difícil do que agora. Naquele tempo não havia realmente lei. Ser uma mulher naquele ambiente era um desafio maior.

“Falling – Um Homem Só”, a primeira longa-metragem de Viggo Mortensen, inspira-se no pai do realizador. Em “Até ao Fim do Mundo”, o cineasta admite que algumas cenas são inspiradas em momentos familiares:

Há duas ou três cenas como o menino, a caça aos patos, a mergulhar na água no inverno. Isso aconteceu comigo, com o meu pai, nessa idade. Há outros momentos que os meus irmãos e eu reconhecemos como coisas da história familiar, mas a maioria é ficção.

Apenas a personalidade de Vivienne é inspirada na minha mãe. Apesar dela não ser franco-canadiana, morava naquela parte do mundo.

A personalidade, meio teimosa e independente, foi a inspiração para Vivienne, mas pouco mais há relacionado com a minha família, exceto o facto da minha personagem, que é dinamarquesa, se parecer um pouco com o meu pai, ou com o meu avô.

No início, não iria interpretar a personagem e ela não seria dinamarquesa, seria do norte da Europa. Alguém que não tivesse o inglês como primeira língua. Acabei por ser eu o ator.

Em “Até ao Fim do Mundo”, a atriz luxemburguesa Vicky Krieps tem o papel principal. O filme é a história de Vivenne, uma mulher franco-canadiana, independente e segura de si, que se vai cruzar com Olsen, um imigrante dinamarquês. Os dois apaixonam-se, mas a guerra civil separa-os. Ele decide alistar-se e ela fica sozinha, obrigada a enfrentar os corruptos donos da cidade.

As escolhas das personagens em Até ao Fim do Mundo reforçam a relação entre elas. Viggo Mortensen mostra uma mulher forte e independente, um homem com sentido de responsabilidade e com convicções:

Ele sente o que muitas pessoas sentem. Pessoas que vão lutar na Ucrânia e não são ucranianas. Ou pessoas que foram, em 1930, lutar em Espanha, mesmo não sendo espanhóis. Fizeram-no porque pensaram que deveriam lutar pela República.

Fez isso porque sente que é a coisa certa. E também sente essa responsabilidade porque já tem experiência como soldado. Se o não fizer, não consegue viver com ele próprio. Pode pensar-se que é egoísta, que não está a pensar nela.

Ela não gosta, mas aceita. Mais tarde, quando ele regressa, diz-lhe que não deveria ter ido para a guerra, pois se tivesse ficado, nada do que sofreu lhe teria acontecido, etc. Mas ela diz que não, que ele precisava de ter ido, que discordou, mas que aceitou.

Antes, ele também já tinha aceitado que ela tivesse um emprego e fosse independente. Ambos compreendem o que cada um quer. É por isso que o relacionamento funciona.

Viggo Mortensen não vê “Até ao Fim do Mundo” como mais um western de vingança. É mais um filme de perdão e de redenção:

Cada personagem, a Vivienne, ou o Olsen, está interessada no que a outra sente e pensa. Às vezes cometem erros porque não prestaram atenção suficiente, mas estão interessadas em que tudo corra bem.

Para mim, este relacionamento, a história deste filme, quando começa, podemos pensar que é provavelmente uma história de vingança, que é o que vemos nos westerns. Estamos à espera de ver como isso acontece. Só que o filme torna-se algo diferente, tal como o relacionamento se torna algo diferente.

Para mim, acho que é uma história de perdão. Não é só perdoar o outro, mas também perdoar-se a si mesmo. O perdão e a aceitação são mais importantes do que o desejo de vingança, ou de ter a última palavra.

“Até ao Fim do Mundo” é sobre a fundação dos Estados Unidos. Foca a questão dos imigrantes na construção da América. O realizador não quer passar uma mensagem política, mas quer ser fiel à história do país:

Há mitos sobre a fundação de Portugal, de Espanha, da América e muitas dessas histórias contadas, e não apenas as histórias do faroeste, eram histórias repetitivas. Muitas delas eram sobre esses mitos, sobre a fundação e abertura da fronteira, os povos indígenas e o caminho de ferro. Cada país tem uma versão disso, mas muitas não são verdade.

No filme, achei interessante ter dois protagonistas que não tivessem o inglês como primeira língua. É algo pouco habitual nos westerns. A não ser que seja um indígena, um nativo americano, nessa época as pessoas vinham de lugares muito diferentes. Era natural ouvir línguas e sotaques diferentes e as pessoas serem de lugares diferentes. Foi sempre assim.

Apenas as pessoas que são extremistas, ou que usam isso por razões políticas é que dizem que temos de tirar essas pessoas daqui e trazê-las de volta ao lugar de onde vieram.

Sempre houve uma mistura, mesmo desde o início. Só quem estiver em negação, ou for ignorante, ou fizer isso por manipulação política é que tentará contar essas histórias.

Viggo Mortensen olha com preocupação para a reeleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos:

É um momento difícil de deturpação da história, de uma história recente. Por mais próxima que seja, nos últimos quatro ou oito anos, muitas pessoas foram completamente convencidas a ignorar a realidade e a votar dessa forma. É dececionante. Mas já passámos por isso antes e vamos superar.

Viggo Mortensen esteve em Lisboa, no LEFFEST, com “Até ao Fim do Mundo”. O filme estreia esta semana nas salas de cinema portuguesas.

  • Margarida Vaz
  • 28 Nov 2024 19:21

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