04 Fev 2025
A longa-metragem “Nome”, de Sana Na N´Hada, é uma homenagem à História dos guineenses, que, mesmo sendo um povo tão heterogéneo, são “homónimos”, graças ao crioulo, disse o realizador à Lusa.
“Somos diferentes em língua, em etnia, no modo de ver a vida, culturalmente, mas temos uma coisa em comum: somos homónimos”, declarou, explicando que na Guiné-Bissau se falam muitas línguas, “mas o crioulo juntou as pessoas numa luta comum” e tornou-se obrigatório para comunicarem entre si.
A narrativa de “Nome”, que se estreia em Portugal quinta-feira, 6 de fevereiro, passa-se em 1969, durante a guerra colonial contra o exército português, com o foco em Nome, um jovem que abandona a sua aldeia para se juntar à luta pela libertação.
“As pessoas fugiram das aldeias, juntavam-se nas matas e sofriam juntas. Aí desenvolveu-se esta língua comum”, disse o primeiro realizador guineense, formado em cinema em Cuba no início da década de 1970, por indicação do “pai” da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, Amílcar Cabral.
O filme, que relata a história de Nome desde que se junta aos guerrilheiros, regressando, anos mais tarde, como herói, é marcado por um misto de celebração e desilusão, levantando questões sobre o impacto da independência no país e nos seus habitantes.
“Justamente no ano em que se comemoram os 50 anos das independências (das ex-colónias portuguesas), eu quero continuar esse trabalho que me foi incutido pelo Amílcar Cabral. Tenho tanta coisa para contar, não quero que estas memórias fiquem esquecidas. Anotei tanta coisa ao longo dos anos…”, refletiu.
O percurso de Sana Na N’Hada e a sua ligação a Amílcar Cabral remontam a 1963, quando o realizador tinha apenas 13 anos e foi retirado da sua aldeia para ingressar numa escola na Guiné-Conacri.
“Amílcar criou uma escola (em Conacri) porque ele estava a lutar pela criação de um Estado e tinha de formar quadros”, explicou.
Embora o seu destino fosse a escola, Sana acabou por ficar “com os guerrilheiros, na mata, a ensinar as pessoas a ler, porque sabia ler um pouco”.
“No fim do ano escolar, por uma razão que eu não sei, levaram-me para um hospital de campanha, onde aprendi a dar injeções, a curar as feridas, a pôr gesso. Eu tinha 14, 15 anos”, contou, recordando a violência que é viver em guerra.
Em 1967, com 17 anos, era suposto ter ido estudar medicina para a União Soviética. Todavia, a viagem que fez da Guiné-Bissau até Conacri, num camião, demorou mais do que o previsto e perdeu o voo.
“Aí o Amílcar decidiu que eu ia para Cuba estudar cinema, com mais seis pessoas (entre as quais Flora Gomes, Josefina Lopes Crato e José Bolama). Eu nunca tinha visto um único filme na vida e queria ser médico”, recordou.
Foi assim que surgiu o primeiro realizador guineense.
“Aprendemos tudo muito rápido em Cuba e voltámos para a Guiné-Bissau em 1972”, disse.
Em janeiro de 1973, Cabral pediu a Sana, e aos seus colegas, que filmassem as frentes de batalha na Guiné-Bissau, para documentarem a guerra.
Todavia, uma semana após começarem as filmagens, receberam a notícia da morte do antigo líder do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde).
“Ele deu-nos uma missão que não chegámos a terminar, por causa da sua morte. Então nós temos uma dívida para com ele, que estamos a pagar até hoje”, disse, com orgulho.
Os arquivos do realizador estão na Alemanha, através da produtora Geba Filmes e, futuramente, irão ser usados num filme sobre Amílcar Cabral, anunciou.
Sana lamenta não ter liberdade para dizer o que quer nos meios de comunicação sociais guineenses, mas, assegurou, isso não o vai impedir de fazer os seus filmes, à sua maneira, apesar de, no limite, poder não conseguir ter acesso a mais meios de financiamento.
“Nome” é também uma crítica ao PAIGC, de que faz parte. “Eu não me excluo disso, dos erros políticos, os desvios políticos que fizemos, eu também faço parte disso. Eu esperava que me criticassem, que me atacassem, porque eu digo essas coisas. Mas toda a gente me diz ‘tens razão’. Eu não quero ter razão, lamento é as mortes da nossa História. Morreu muita gente”, frisou.
E, “apesar de o cinema não resolver problemas”, é um meio para se “fazer zoom” a um assunto e refletir.
“Nome”, a quarta longa-metragem do realizador guineense, foi produzida em parceria com diversas entidades, incluindo a portuguesa Lx Filmes, a angolana Geração 80, e produtoras de França e da própria Guiné-Bissau.