23 Ago 2023
Chega esta semana aos cinemas portugueses “A Conspiração do Cairo”, filme de Tarik Saleh que conquistou o prémio de melhor argumento no Festival de Cannes em 2022.
Thriller onde se misturam espionagem, política e religião, decorre na prestigiada universidade Al-Azhar, no Cairo. Adam, o protagonista, é o filho de um pescador que recebe uma bolsa para frequentar a instituição, o epicentro do poder no Islão sunita, fundado no século XII por Salah ad-Din – conhecido dos europeus como Saladino. Pouco tempo após chegar ao Cairo, o jovem assiste à morte do Grande Imã, que dirige a instituição e é a autoridade máxima do Islão sunita.
Enquanto o conselho de imãs tenta eleger um sucessor, a ditadura militar do General Sisi conspira para influenciar a escolha de alguém que terá a capacidade de guiar as escolhas políticas e as leis do país.
A partir daqui, Saleh desfia uma narrativa onde as fórmulas do policial são aplicadas num contexto invulgar. Fã das intrigas de espionagem de John Le Carré, o realizador confessa ter-se inspirado em “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, que partilha com “A Conspiração do Cairo” o ambiente monástico, as mortes misteriosas e as lutas pelo poder.
Contudo, o passado medieval tem pouco a ver com as sensibilidades no Islão do presente e os serviços de segurança egípcios expulsaram a equipa de “A Conspiração do Cairo” três dias antes do início das filmagens. Desde então, Tarik Saleh está proibido de entrar no Egipto sob pena de ser preso.
A produção encontrou uma alternativa na Turquia e, para representar Al-Azhar, foi usada a Mesquita Süleymanye, em Istambul, um edifício do século XVI.
Apesar dos entraves e das ameaças, Tarik Saleh recusa que o filme seja uma crítica ao Islão. Prefere que o olhem como uma obra sem juízos de valor, onde se confrontam moderados e radicais. Uma história sobre poder e autoridade, onde um género como o thriller é subvertido através da destruição dos seus clichés e de uma forte injeção de realidade.
Nascido em Estocolmo, filho de uma sueca e de um egípcio, Saleh começou pelo graffiti antes de se dedicar ao cinema e à televisão. Em 2005 assinou o documentário “Gitmo” onde aborda os maus tratos a prisioneiros islâmicos na prisão norte-americana de Guantanamo centrando-se na experiência de um antigo detido sueco. Seguiram-se “Metropia” e o filme de mistério “Tommy” antes de “The Nile Hilton”, policial situado no Egipto, lhe ter valido convites para trabalhar em séries de televisão nos EUA. Realizou episódios de “Ray Donovan” e “Westworld” e dirigiu Chris Pine em “The Contractor”, um filme de ação sem grandes méritos.
Regressou à Europa para assinar esta obra mais pessoal e chegada às suas raízes que lhe abriu as portas da competição principal em Cannes. Em declarações durante o festival admitiu ser um muçulmano pouco aplicado. Apesar disso, procurou exatidão na forma de apresentar os temas teológicos. Contou com a ajuda de um imã com quem terá tido longas discussões.
“A Conspiração do Cairo” é um comentário valioso ao mundo islâmico e às suas contradições e desafios, contraponto necessário num meio onde, afirma o cineasta, este é frequentemente mal representado. Bem vistas as coisas, no filme, Al-Zahar mais não é do que uma representação à escala destas dificuldades.