18 Jan 2024
Vencedor do grande prémio do Júri do Festival de Cannes, “A Zona de Interesse” é livremente inspirado no livro homónimo de Martin Amis. No centro das atenções está uma família que participou ativamente no holocausto, mas viveu feliz nas proximidades do horror.
O realizador Jonathan Glazer acredita na importância de “mostrar estas pessoas como pessoas e não como monstros.” A humanização de uma família nazi não tem como objetivo apelar à condescendência, mas é um alerta.
“O grande crime e a grande tragédia, é que foram seres humanos que fizeram isto a outros seres humanos (…) e claro que é muito conveniente para nós, tentarmos distanciar-nos deles o mais que podemos, porque pensamos que não somos iguais, que não fazemos aquilo. Mas creio que não devemos ter tanta certeza sobre isso”, diz Glazer.
O londrino, que antes assinou “Debaixo da Pele” com Scarlett Johansson na pele de uma alienígena sedutora e mortal, passou cerca de dois anos em trabalho de pesquisa e consulta sobre o holocausto e os seus protagonistas.
“foram seres humanos que fizeram isto a outros seres humanos”
A vontade de fazer um filme sobre este período trágico era antiga, mas só após extensa investigação e uma visita a Auschwitz, percebeu a direção que o filme podia seguir. No maior campo de concentração, situado no sul da Polónia, o realizador constatou que a casa do homem que comandava o horror ficava a poucos metros de distância do muro, e que a família Hoss era mencionada no testemunho de um sobrevivente do campo que lhes prestou serviços como jardineiro.
“Ele sobreviveu à guerra e disse ter ouvido Rudolf e a mulher, Herwig Hoss, a discutirem sobre o facto de ser transferido. E de como ela estava zangada por tudo aquilo que tinham construído ali, lhes ser tirado. Havia uma frase que usei no filme, em que ela dizia: vais ter de arrastar-me daqui para fora.”
A frase viria a tornar-se na ideia central de “A Zona de Interesse”, que remete para o cenário de uma vida perfeita, com a casa no campo, o luxo, o jardim, com a piscina e que, na altura, foi uma recompensa para o casal, pelos bons serviços prestados no extermínio em curso.
Rudolf, a mulher e os quatro filhos vivem num verdadeiro paraíso onde o holocausto parece não existir, mesmo que no jardim seja possível ver o fumo das câmaras de gás, e sejam audíveis os sons do desespero de milhares e milhares de pessoas que por ali passaram.
Ainda não estamos a salvo do Holocausto
Jonathan Glazer evita o filme de época e a obra histórica clássica sobre a perseguição de judeus pelos nazis, preferindo manter o tema presente, mas fora do campo de concentração, onde estavam afinal, as famílias que prosseguiam as suas vidas.
Quis abordar o holocausto como algo “presente em vez de uma peça de museu, ou algo que aconteceu há muito tempo, sobre o qual podemos ler, mas do qual nos sentimos a salvo.”
Para o realizador, não há uma distância segura que nos separe da família Hoss, que simplesmente queria garantir o melhor futuro possível para as suas crianças.
Por isso, o filme “tinha de ser feito com algum nível de urgência e alarme.”
No papel do comandante Rudolf Hoss está o ator Christian Friedel, conhecido pelo filme “O Laço Branco”, do austríaco Michael Haneke, que em 2009 venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Mas boa parte das atenções vai para o desempenho da atriz alemã Sandra Hüller, no papel da dona de casa e mãe de família. Uma mulher obstinada em garantir o melhor para os seus filhos, fria e indiferente à tragédia que acontece paredes-meias com o seu lar perfeito.
Sandra Hüller é uma das atrizes em evidência neste começo de 2024, também como protagonista do filme “Anatomia de Uma Queda”, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes e que chega a Portugal ainda no primeiro trimestre do ano.
Para já, Sandra é Herwig em “A Zona de Interesse”, a personagem que resume a intenção do realizador Jonathan Glazer de fazer um filme sobre o holocausto sem entrar em Auschwitz, sem cenas de violência, nem imagens das vítimas, para se focar no que se passa do lado de cá.
“O que tentámos com o filme foi encontrar uma perspetiva que não tenha sido vista antes.”
Há apenas a consciência de saber que está a acontecer. O espectador sabe. A família Hoss, que de forma desconcertante, incomoda, apática e desumana, continua as suas rotinas, alheia às atrocidades ali mesmo ao lado, também sabe.