15 Nov 2019 22:21
A história da divisão da Alemanha pelo Muro de Berlim está inscrita na história mais geral do cinema do século XX através de alguns títulos admiráveis, desde “O Espião que Saiu do Frio”, uma produção de 1965 assinada por Martin Ritt, adaptando o romance de John le Carré, passando pelo brilhante e muito esquecido “Cortina Rasgada”, realizado por Alfred Hitchcock em 1966, até, claro, o emblemático “As Asas do Desejo” que Wim Wenders dirigiu em 1987, dois anos antes da Queda do Muro. Até que, num filme de 2003 com um título sugestivo — “Adeus, Lenine!” —, descobrimos o drama de Alexander Kerner…
Alexander Kerner tem, de facto, um problema: nasceu e cresceu na Alemanha de Leste até que, em 1989, faz agora trinta anos, o Muro de Berlim caíu… Enfim, o problema não é esse. Acontece que a sua mãe, ferverosa militante do sistema comunista, sofreu uma comoção tão grande quando surgiram os primeiros sinais de agitação social que entrou em coma — de tal modo que, quando desperta, os médicos avisam para o perigo que pode representar qualquer choque emocional. Dito de outro modo: o filho gostaria de estar a comemorar a união das duas Alemanhas, mas, por amor da mãe, faz tudo para que ele não descubra que já não há Muro…
Realizado pelo alemão Wolfgang Becker, “Adeus, Lenine!” é um drama intimista sempre contaminado por um delicioso humor. A música de Yann Tiersen possui a capacidade de sublinhar esse contraste, ao mesmo tempo celebrando a sua dimensão humana.
Dir-se-ia que “Adeus, Lenine!” é um complemento simbólico de “As Asas do Desejo” — em “Adeus, Lenine!”, graças às ambivalências da comédia, o humor abraça as grandes transformações da história colectiva; em “As Asas do Desejo”, eram os anjos, que conseguiam vencer a barreira física e simbólica do Muro. Num certo sentido, as músicas escolhidas por Wim Wenders para o seu filme pressentiam algo da energia dos tempos futuros — o som de Die Haut, uma banda alemã nascida na ressaca do punk, poderá ser um esclarecedor exemplo.