17 Mai 2014 2:09
Se há uma tradição forte, regularmente renovada, no audiovisual francês (cinema + televisão) é, por certo, a das adaptações de Georges Simenon (1903-1989). Com "La Chambre Bleue", a partir de um romance publicado em 1964, Mathieu Amalric reinveste essa tradição com um filme de depurada e sofisticada estrutura (produzido pela Alfama Films, de Paulo Branco).
Apresentado na secção "Un Certain Regard", o filme preserva a dinâmica dramática do triângulo mulher/homem/mulher e do adultério que nele se inscreve: Julien e Delphine, marido e mulher (interpretados pelo próprio Amalric e Léa Drucker), e a "outra", Esther (Stéphanie Cléau). Mais do que a questão da (in)fidelidade, importa a perturbação que se instala — por causa dos efeitos sociais do "escândalo", mas também pelo modo como tudo regressa, como se houvesse um boomerang emocional, às três personagens centrais.
Com um trabalho de mise en scène francamente mais rico do que o do seu filme anterior "Tournée – Em Digressão" (2010), Amalric consegue fazer um objecto ao mesmo tempo complexo e minimalista que desmonta, ponto por ponto, os impasses da moral social e os fantasmas que a habitam. De modo quase inevitável, somos levados a evocar a herança de Claude Chabrol (1930-2010), também ele um cineasta atraído pelos universos de Simenon — porventura marcado por tal herança, Amalric distingue-se, afinal, pela originalidade da sua visão pessoal.