12 Out 2014 16:54
É um facto: as estreias (muito) irregulares de títulos brasileiros nas salas portuguesas mostram que conhecemos mal o cinema que se faz no Brasil. E é um facto tanto mais desconcertante quanto, para além dos cruzamentos culturais entre os dois países, tempos houve em que o espectador português pôde ter uma perspectiva abrangente da cinematografia brasileira.
O Cinema Novo, por exemplo, passou nas salas portuguesas através de obras fundamentais de cineastas como Glauber Rocha, Carlos Diegues ou Leon Hirszman. E "António das Mortes", de Glauber Rocha, pode ser tomado como um símbolo exemplar desse movimento que, tendo envolvido uma interrogação radical das narrativas, se preocupou também em questionar as heranças factuais e mitológicas da história do Brasil.
A personagem de António das Mortes (Maurício do Valle), "matador de cangaceiros", confronta-se com o aparecimento de um novo símbolo desses cangaceiros, Coirana (Lorival Pariz), num processo em que o realismo cru das situações se combina com a fantasia de um imaginário muito marcado por componentes religiosas.
De alguma maneira, o filme encerrou uma trilogia iniciada com "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) e "Terra em Transe" (1967). Na trajectória internacional de Glauber Rocha, "António das Mortes" foi também um título decisivo, tanto mais que lhe valeu o prémio de realização do Festival de Cannes de 1969.