26 Dez 2024
O poder nas relações humanas, amorosas, familiares, ou profissionais é um dos focos de atenção da realizadora holandesa Halina Reijn no filme “Babygirl”, que esteve em competição no Festival de Veneza.
A história de uma relação extraconjugal é explorada através do desejo, da autodescoberta e da libertação sexual. O resultado vai muito além do rótulo de thriller erótico:
Estou feliz por poder fazer um filme sobre desejo feminino, mas é também um filme sobre uma mulher numa crise existencial.
Nicole Kidman é Romy, diretora-executiva de uma empresa bem sucedida no mundo do trabalho. Mãe de duas raparigas, mulher do atraente, atencioso e sensível Jacob, interpretado por António Banderas.
O casamento e a vida em família é feliz, mas Romy reprime impulsos sexuais e esconde do marido a vontade em ter uma relação de contornos sadomasoquistas. Esta ousadia acontece pela primeira vez com um estagiário da empresa onde trabalha.
A atriz fala das características da personagem:
Acho que é um filme sobre o desejo, os nossos pensamentos profundos, segredos, casamento. É sobre verdade, poder, consentimento. É a história de uma mulher, contada do ponto de vista de uma mulher e espero que seja muito libertadora.
A Halina escreveu o argumento e realizou o filme. Para mim, é isso que o torna único. Estava nas mãos de uma mulher a lidar com este tipo de história. Foi muito profundo poder partilhar estas coisas e muito libertadores.
Romy, tal como qualquer outro ser humano, é feita de muitas camadas, fantasias e desejos. Nem todos são assumidos. Por isso, a realizadora Halina Reijn quer colocar o cinema a falar das sombras e do que o ser humano tem dificuldade em assumir:
Todos os seres humanos têm várias camadas. Todos temos um lado mais selvagem. Para as mulheres, é mais difícil encontrar espaço para explorar este tipo de comportamento. Explorar como somos fortes, mas também fracas.
Os meus pais criaram-me de uma forma em que não acredito que somos bons ou maus. Acho que somos as duas coisas. E é preciso não esquecer isso, porque quando o reprimimos pode ser perigoso.
Por isso, não quero que nenhuma das personagens seja castigada. Quero apenas que existam e acho que, dessa forma, nos podemos identificar com elas.
Halina Reijn que é também atriz, cruzou-se no seu caminho com o mestre holandês que tem carreira feita no cinema com histórias de mulheres ousadas e sem medo de mostrar a força da sua sexualidade.
Paul Verhoeven, realizador de “Instinto Fatal”, ou mais recentemente, “Ela”, ou ainda “Benedetta”, é um dos que, nos anos 90, alimentou o thriller erótico assumido agora por Halina Reijn, mas com as devidas atualizações:
Queria fazer algo desse género, mas como a Nicole disse, de um ponto de vista feminino. Não quer dizer que o filme não fale de masculinidade. Fala de ambos, mas, para mim, no centro, está a pergunta: posso amar-me com as minhas diferentes camadas? Espero que funcione como um tributo ao amor próprio e à libertação.
“Babygirl” não é uma resposta à era do Me Too, mas é, ainda assim, um filme que aborda a questão do consentimento, na forma como o rapaz seduz a chefe, ameaçando contar tudo o que se passa entre os dois. Será chantagem ou um jogo consensual entre dois adultos?
No tempo em que o cinema evita mostrar sexo, e é feito com especialistas em cenas de intimidade, o ator António Banderas sublinha que este filme é mais uma forma de responder a uma espécie de censura que se foi criando:
Vivemos num mundo em que o politicamente correto está a criar uma espécie de censura, autocensura artística. Quando li o argumento, pensei que alguém estava finalmente a pensar fora da caixa. Alguém que tinha a força e a coragem de mostrar no ecrã coisas que todos pensamos.
Nós somos prisioneiros dos nossos instintos. Somos animais e há uma coisa na natureza que é não ter nada de democrático.
Quase nos 60 anos, Nicole Kidman é desafiada a representar cenas de sexo escaldante e a compor uma personagem que se divide entre a mulher implacável e conquistadora, e ao mesmo tempo, vulnerável.
A atriz, que conquistou em Veneza a Taça Volpi de melhor interpretação, fala do interesse em explorar as várias camadas do que significa ser mulher:
Acho que não há um julgamento no filme. Acho que cada pessoa pode interpretar à sua maneira. Se perguntássemos aqui na sala, cada uma iria responder de forma muito diferente sobre o comportamento desta mulher, a Romy.
Não penso propriamente nos corpos. Penso como se pode contar a história e como ajudo a realizadora a chegar à sua visão da história. Depois, temos muitas conversas sobre a psicologia da personagem e tudo isso. Mas o que trago para o filme sou eu mesma e a minha disponibilidade.
Sempre fiz isto com todos os realizadores. Às vezes resulta, outras vezes não. Não sei como fazer de outra forma. Não posso ir para um projeto a proteger-me, ou estar preocupada.
“Babygirl” é um filme corajoso num tempo em que o cinema é desafiado a rever códigos de conduta. Interessante por colocar em cena a visão feminina sobre os limites do desejo, do consentimento e da sedução.
Nicole Kidman já está na lista de nomeadas ao Globo de Ouro de Melhor Atriz na categoria de Filme Dramático.