30 Mai 2017 13:40
É óbvio que um festival de cinema nunca gera consensos absolutos — digamos que a sua energia resulta também dessa capacidade de nos fazer ver e sentir que os caminhos do cinema são sempre plurais, eventualmente contraditórios.
Cannes/2017 não fugiu à regra. E mesmo se, desta vez, ficou a sensação generalizada de que o certame pode e deve repensar algumas das suas opções (sobretudo em relação às escolhas dos títulos que concorrem para a Palma de Ouro), o mínimo que se pode dizer é que o certame nos deixou um mapa temático e estético para (re)lermos o estado das coisas cinematográficas. Eis três pontos a ter em conta.
* De novo o "cinema social"
Foi, de facto, um festival marcado pelos chamados temas sociais. Goste-se mais ou goste-se menos, o filme vencedor — “The Square”, de Ruben Östlund — ficou como retrato de uma certa decomposição das relações sociais e, mais do que isso, de um esvaziamento das relações humanas em geral. É pena que o filme de Michael Haneke, “Happy End”, tenha permanecido fora dessa avaliação — do meu ponto de vista, nenhum outro demonstrou a mesma complexidade temática e formal, ligando as contradições do presente com a visão moral do próprio espectador.
* Histórias da Rússia
Houve quem acreditasse que Andrey Zvyagintsev poderia chegar à Palma de Ouro com o seu “Loveless” — acabou por ter o Prémio do Júri, distinção obviamente importante, mas não na linha da frente do palmarés. Uma coisa é certa: os filmes de autores russos, ou ligados a temas da Rússia, distinguiram-se por uma presença forte nas várias secções do festival. Importa, por isso, registar a notável revelação de Kantemir Balagov: o seu filme “Closeness”, evocando a violência no Cáucaso, em finais da década de 1990, é um caso brilhante de cruzamento do fresco histórico com o melodrama familiar.
* Que filmes seleccionar?
Muitas intervenções jornalísticas, em particular nos meios de comunicação franceses, chamaram a atenção para o facto de o festival correr o risco de se transformar numa renovação anual dos mesmos nomes, por vezes com uma presença excessiva e redundante — aconteceu, este ano, com Nicole Kidman, senhora de imenso talento que, em qualquer caso, esteve apresente através de quatro títulos apresentados em Cannes (dois deles na competição oficial). Será que faz sentido este tipo de inflacção? Para a equipa do festival e, em particular, para o seu programador Thierry Frémaux, o desafio que se coloca envolve a capacidade de renovar a oferta, sem perder o contacto com as experiências mais ousadas do cinema contemporâneo.
Muitas intervenções jornalísticas, em particular nos meios de comunicação franceses, chamaram a atenção para o facto de o festival correr o risco de se transformar numa renovação anual dos mesmos nomes, por vezes com uma presença excessiva e redundante — aconteceu, este ano, com Nicole Kidman, senhora de imenso talento que, em qualquer caso, esteve apresente através de quatro títulos apresentados em Cannes (dois deles na competição oficial). Será que faz sentido este tipo de inflacção? Para a equipa do festival e, em particular, para o seu programador Thierry Frémaux, o desafio que se coloca envolve a capacidade de renovar a oferta, sem perder o contacto com as experiências mais ousadas do cinema contemporâneo.