Cinema de terror, aliás, um novo romantismo
Ficará, por certo, como o objecto inclassificável da secção competitiva do Festival de Cannes de 2021: "Titane", de Julia Ducournau, reiventa o género de terror... e vai mais além.
16 Jul 2021 1:58
A melhor maneira de definir "Titane" será… não tentar defini-lo. Que dizer, de facto, de um filme que começa com uma jovem, ainda criança, a ter um acidente com o pai, sendo salva por uma placa de titânio colocada no seu cérebro? E como explicar que, alguns anos mais tarde, pelas suas veias corra, não o vermelho do sangue, mas um líquido oleoso? E porque é que esse ser tão singular, se transforma de Alexia em André?…
Porquê Cronenberg? Porque é nele que somos convocados para a metódica decomposição do imaginário clássico (renascentista, em última instância) do corpo, ou melhor, da sua figuração. Tal como em "Crash" (1996), por exemplo, encontramos em "Titane" as marcas de um novo assombramento tecnológico: as vivências mais íntimas do corpo estão contaminadas pelas matérias das máquinas — máquinas desejantes, como alguém disse, ainda que noutro contexto. Será preciso acrescentar que tudo isso envolve uma interrogação drástica, de uma só vez angustiada e festiva, dos modelos da sexualidade que herdamos dos séculos XIX/XX?