15 Jul 2023

Buzinas de apoio, um punhado de estrelas nos passeios e muita raiva contra o patrão da Disney, Bob Iger: a histórica greve dos actores de Hollywood começou com determinação, na sexta-feira, à porta dos estúdios em Los Angeles, após o fracasso das negociações.

Frente à Netflix, Warner, Paramount e outros estúdios, várias centenas de actores juntaram-se às fileiras dos argumentistas de televisão e cinema, que há mais de dois meses fazem piquete nos passeios ladeados de palmeiras.

Desde 1960 que a indústria cinematográfica americana não assistia a uma dupla greve deste género que vai paralizar completamente a produção de séries e filmes.

“Não há contratos? Não há actores! Sem salários? Não há contratos? Não há actores! Não há salários? Não há guiões!”, gritavam os membros dos dois sindicatos.

No calor do verão, todos se hidratam para se manterem motivados.

“Esta é uma magnífica celebração dos trabalhadores. Mais do que uma greve da indústria do entretenimento, trata-se de uma greve de todos os trabalhadores, de todo o país e de todo o mundo”, entusiasma-se uma das actrizes de “Titanic”, Frances Fisher, enquanto os trabalhadores do sector hoteleiro também fizeram várias greves em Los Angeles desde o início de julho.

“Toda a gente está de pé”, disse à AFP a atriz de 70 anos, em frente ao arco de entrada dos estúdios Paramount.

 

Atores ajudam à luta

Para os argumentistas, a entrada dos actores na luta ajuda a amplificar a mensagem. Meryl Streep, Colin Farrell, Ben Stiller e Jennifer Lawrence já se manifestaram publicamente a favor da greve nas últimas semanas e, se estrelas deste calibre aparecerem nos piquetes frente aos estúdios nos próximos dias, o movimento ganhará uma nova dimensão.

Na sexta-feira, caras conhecidas como Allison Janney (“The West Wing”), Mandy Moore (“This is Us”) e Ben Schwartz (“Sonic the movie”) já se manifestaram nos piquetes de greve em Los Angeles. Em Nova Iorque, Jason Sudeikis (“Ted Lasso”) e Susan Sarandon (“Thelma e Louise”) também participaram nas manifestações.

“É histórico”, disse Zev Frank, 36 anos, argumentista da série “Patriot”. “Vê-los manifestarem-se assim, em grande número, hoje é diferente. É eletrizante”.

“Estamos numa indústria onde há tanta gente sob os holofotes, por isso este pequeno extra vai ajudar”, concorda Tien Tran, 36 anos, estrela da sitcom “How I Met Your Father”.

Tal como os argumentistas, os actores pedem um aumento da remuneração, que caiu para metade na era do streaming. Pedem também garantias quanto à utilização da inteligência artificial (IA), para evitar que esta gere guiões ou clone a sua voz e imagem.

 

Bob Iger criticado

Na quinta-feira, o patrão da Disney, Bob Iger, rejeitou as exigências dos sindicatos que classificou como “irrealistas”.

As declarações irritaram muitos dos manifestantes entrevistados pela AFP, que vaiaram o patrão do estúdio.

“Este tipo diz que estamos a pedir coisas irrealistas? Está a brincar comigo?”, disse Shawn Richardz, uma atriz que protagonizou as séries “Treme” e “Nip/Tuck”. “Está a remodelar a casa por cinco milhões de dólares, e estas pessoas nem sequer têm seguro de saúde. (…) É desrespeitoso e nojento.”

Para E.J. Arriola, os comentários do CEO da Disney são “um excelente exemplo da mentalidade das pessoas no topo” da pirâmide de Hollywood. “Nós, artistas, andamos nisto há tanto tempo e parece que ninguém nos respeita”, acrescentou o ator de 40 anos.

À frente da Netflix, Fran Drescher, presidente do poderoso sindicato de actores SAG-AFTRA, foi ovacionada pela multidão. A estrela da série “The Nanny” fez um discurso particularmente expressivo na quinta-feira, ao anunciar a greve.

“Se não nos levantarmos agora (…) arriscamos sermos substituídos por máquinas e empresas que se preocupam mais com Wall Street do que convosco e com a vossa família”, afirmou, sublinhando o significado “histórico” do momento.

“Não tínhamos escolha. Somos as vítimas. Somos vítimas de uma entidade muito gananciosa”, denunciou Fran Drescher, presidente da organização que representa 160 000 actores e outros profissionais do pequeno e do grande ecrã.

 

Produção paralisada

Sem actores, as filmagens são agora impossíveis em Hollywood, mesmo com base em guiões concluídos antes da primavera, como foi o caso da série da Amazon “The Rings of Power”, uma prequela de “O Senhor dos Anéis”.

Apenas alguns talk shows e reality shows continuarão a ser transmitidos.

Os actores também foram proibidos de fazer promoções, mesmo nas redes sociais, conforme as directrizes publicadas pela SAG-AFTRA.

Tudo isto pode significar problemas para os êxitos de bilheteira do verão, como o aguardado “Oppenheimer” de Christopher Nolan. Na estreia do filme em Londres, na quinta-feira, o elenco abandonou o evento numa demonstração de solidariedade, segundo a Variety.

A Comic-Con, o grande evento para fãs de banda desenhada, também vai decorrer sem estrelas a partir de 20 de julho, em San Diego. A ausência de actores americanos é também uma má notícia para os grandes festivais internacionais, como os que vão decorrer em Locarno e Veneza nos próximos meses.

Até a cerimónia de entrega dos prémios Emmy, o equivalente televisivo dos Óscares, prevista para 18 de setembro, está ameaçada. Segundo a imprensa americana, a produção já está a considerar a hipótese de adiar o evento para novembro, ou mesmo para 2024.

Não se sabe quanto tempo poderá durar a greve. Os actores não entram em greve desde 1980. A última greve dos argumentistas, em 2007-2008, durou 100 dias e custou à indústria dois mil milhões de dólares.

 

Uma crise existencial

Esta dupla greve confirma a crise existencial que afecta atualmente Hollywood. No final de junho, centenas de actores famosos, entre os quais Meryl Streep, Jennifer Lawrence e Ben Stiller, assinaram uma carta afirmando que a indústria se encontrava num “ponto de inflexão sem precedentes”.

Nos últimos dez anos, aproximadamente, o advento do streaming alterou a remuneração “residual” recebida pelos actores e argumentistas por cada repetição de um filme ou de uma série.

Estes emolumentos são mais relevantes na televisão porque o seu cálculo é feito em função da taxa de publicidade, mas muito menos nas plataformas de streaming, que não comunicam os seus índices de audiência e pagam uma taxa fixa, independentemente do sucesso.

Sem este rendimento indispensável para absorver os períodos de inatividade entre produções, os numerosos trabalhadores que não têm o estatuto de estrela, ou de autor denunciam a precarização da atividade.

O rápido desenvolvimento da inteligência artificial, que ameaça substituí-los, só vem alimentar a situação. A Disney, por exemplo, utilizou a IA para produzir os créditos da sua nova série da Marvel, “Invasão Secreta”, lançada em junho.

“É doloroso e é necessário”, disse à AFP Jennifer Van Dyck, uma atriz sindicalizada. “Quando o patrão da Disney ganha 45 milhões de dólares por ano e nós estamos apenas a pedir um salário digno, acho que eles é que podem ser acusados de não serem razoáveis”.

  • CINEMAX - RTP c/ AFP
  • 15 Jul 2023 20:53

+ conteúdos