23 Mai 2015 0:23
A definição de filme histórico é, mais do que nunca, plural e instável. Para nos ficarmos por uma comparação muito básica, mas sugestiva, digamos que a abordagem da história num filme como "Cartas de Iwo Jima" (2006), de Clint Eastwood, pouco ou nada tem a ver com a evocação do passado que encontramos em "The Assassin", filme de Hou Hsiao-Hsien apresentado na competição de Cannes, em representação de Taiwan.
Trata-se, como é óbvio, de abordar um tempo de muitas e enigmáticas especificidades. Assim, tudo acontece em torno de Nie Yinniang (Shu Qi), cuja especialização nas artes marciais lhe confere a vocação de combater as forças da tirania da China do séc. IX — é mesmo convocada para assassinar o seu primo, Tian Ji’an (Chang Chen), governador da província dissidente de Weibo…
Que faz, então, a diferença de Hou Hsiao-Hsien? Primeiro que tudo, o facto de os tempos da sua narrativa não corresponderem a arranjos convencionais de "acção" e "reacção" — a teia temporal é contemplativa, mas está sempre ameaçada pela possibilidade de rupturas mais ou menos violentas. Depois, tudo acontece num sistema de representação que, à falta de melhor, apetece classificar como uma derivação do artifício e da grandiosidade da ópera.
Estamos, afinal, perante um cinema que existe a partir de um modelo que resiste à sua dissolução em qualquer género. Hou Hsiao-Hsien cria pinturas animadas em que a excelência do tratamento de luz e cores concorre para a sensação de que a história é, de uma só vez, um lugar de definição das personagens e da sua perdição — foi um dos momentos mais belos, e também mais inclassificáveis, do festival.