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16 Mai 2025

Em “Dossier 137”, apresentado em Cannes na quinta-feira, Dominik Moll debruça-se sobre a espinhosa tarefa dos polícias que investigaram a violência cometidas pelos seus colegas durante o movimento dos “coletes amarelos”, que tomou conta de França no final de 2018.

Na longa-metragem nomeada para a Palma de Ouro, o cineasta efetua uma radiografia meticulosa do trabalho de uma comissária da “polícia das polícias”, interpretada por Léa Drucker, no auge das manifestações que levaram milhões de pessoas às ruas em 2018-2019.

“Abalou realmente os poderes instituídos e abalou a França, mas a Covid chegou logo a seguir e é como se tivesse apagado tudo”, disse à AFP Dominik Moll, cujo filme anterior “La Nuit du 12” (A Noite do 12), vencedor de sete Césares, analisava a investigação policial de um feminicídio.

A nova longa-metragem analisa a reação muito dura das forças da ordem aos “coletes amarelos”. Em França, a polémica foi intensa, após manifestantes terem sido gravemente feridos por granadas de atordoamento, ou balas de borracha.

O “Dossier 137” que dá título ao filme foi aberto após a queixa de um jovem gravemente ferido na cabeça por uma arma não letal, durante uma manifestação em Paris, em dezembro de 2018.

“No início, um assunto como este, dizemos sempre a nós próprios que é complicado e um pouco assustador. Mas, como sempre, uma vez feita a pesquisa, encontramos formas de contar histórias humanas”, diz o realizador francês.

Ao mergulhar nos meandros da Inspeção Geral da Polícia Nacional (IGPN), “Dossier 137” revela as tensões destes investigadores, encarregados de defender a ética da aplicação da lei, mas bem conscientes da dificuldade da sua tarefa.

“Há uma dupla missão impossível”, resume Dominik Moll, que passou vários dias imerso no IGPN para preparar o seu filme, do qual é um dos autores do argumento.

Por um lado, “para muitos polícias, a manutenção da ordem é uma missão impossível, porque são enviados para situações incontroláveis e dizem-lhes: ‘Isto é uma guerra, avancem'”, explica. Por outro lado, “a polícia que investiga a polícia, também não tem um trabalho fácil”.

O filme mostra a personagem de Léa Drucker no meio de fogo cruzado: os polícias envolvidos acusam-na de traição, enquanto os familiares da vítima suspeitam que ela quer enterrar o caso.

“Restaurar este laço de confiança com a polícia e a justiça é uma tarefa enorme, mas só pode partir dos políticos”, afirma Dominik Moll, impressionado com um traço comum aos casos de violência policial que estudou para o filme. “Há sempre uma falta de consideração, um sentimento de que não aconteceu e que ninguém se importa”, diz o realizador.

O que não percebo”, acrescenta, “é porque os políticos não são capazes, a dada altura, de dizer: ‘Olha, isto foi uma situação bastante excecional, enviámos polícias que não estavam treinados para manter a ordem, e houve pessoas feridas que não deviam ter sido feridas'”. Na sua opinião, “esta negação funciona como uma segunda forma de violência”, agravada pelo facto de muito poucos processos resultarem em julgamentos e ainda menos em condenações.

Cerca de 2 500 manifestantes e 1 800 membros das forças da ordem ficaram feridos durante o ano em que tiveram lugar os protestos dos “coletes amarelos” em França.

  • AFP
  • 16 Mai 2025 16:32

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