13 Jun 2024
Numa aposta cada vez mais rara, o realizador Edoardo de Angelis arrisca um orçamento de mais de 14 milhões de euros num filme de guerra para contar uma história real passada durante a Batalha do Atlântico, em 1940.
O título “Comandante” refere-se a Salvatore Todaro, homem que comandava o submarino Capellini e que, desobedecendo às ordens dos alemães para eliminar o inimigo, decidiu resgatar a tripulação belga de um barco que afundou. Para que todos se pudessem salvar, Todaro foi obrigado a manter o submarino à superfície durante vários dias, correndo o risco de se tornar um alvo.
Edoardo de Angelis viu nesta história uma forma muito particular de entender conceitos de força:
“Comove-me a forma como o Salvador Todaro entendia a força e a capacidade que teve a ir em socorro dos outros. Para mim, isto é que é um homem forte e, por isso, queria contar a história dele.”
Em 2018, Matteo Salvini ocupava o cargo de ministro do interior da Itália e mantinha uma política de proibição de entrada de barcos com refugiados nos portos italianos.
Numa cerimónia pública, um comandante da guarda costeira afirmou, diante do ministro, que no mar há só uma obrigação, prestar socorro e salvar vidas. Uma citação que inspirou o realizador a levar ao cinema a história do homem que acreditava que as leis do mar se sobrepõem à guerra:
“Em 2018, ouvi as declarações do almirante Pettorino, que, na cerimónia dos 123 anos da guerra costeira, falou sobre a forma como os homens se deviam comportar no mar. Ele quis fazer uma parábola e contou a história de Salvatore Todaro, o militar italiano que afundava o inimigo, mas salvava os homens”, recorda de Angelis. “Ele acreditava, tal como eu acredito, que o devíamos fazer porque somos italianos”.
O cineasta acredita que “Existem leis eternas e imutáveis, como as leis do mar, que já não se aplicam mais. Imaginar um tempo em que todos, mesmo em guerra, pudessem parar por um momento e decidir que, perante os homens indefesos, não se dispara”.
“Comandante” é um filme de guerra e um retrato de uma época, mas é também um filme em diálogo com o presente e as decisões políticas que podem deixar milhares de migrantes e refugiados à mercê de vários perigos no mar.
Edoardo de Angelis encontrou neste episódio verídico uma forma de abordar o drama dos que são deixados para trás, através da história de um homem que acreditava que a humanidade faz parte da identidade de um povo:
“Para mim, esta história é emblemática pelo exemplo da força, como disse, mas também sobre o que significa ser italiano, que nos últimos anos tem estado um pouco preso a aspetos laterais. Acho que este país tem uma essência maravilhosa, conforme dito no filme, mas qual é a sua identidade? Que nasce de toda uma variedade do que é ser humano, mas será que passa também por prestar socorro? Quando conheci a história de Salvatore Todaro, pensei que, se isto significa ser italiano, então quero ser italiano.”
Pierre Francesco Favino, um dos mais populares e requisitados atores italianos, dá vida ao comandante Todaro.
O ator, que já participou em várias produções internacionais, admite que está, nesta altura, mais motivado em trabalhar no cinema italiano e que se sente privilegiado por poder dar vida a figuras históricas do seu país:
“Tenho estado ocupado com o cinema italiano porque este é o meu país, é onde quero estar a trabalhar, especialmente tendo em conta a situação do cinema italiano. Acho que é necessário passar tempo aqui. Acredito que posso representar figuras da história italiana. Estou contente pelo privilégio de ter representado algumas destas figuras.”
“Comandante”, foi o filme de abertura do Festival de Veneza 2023, uma grande produção, pouco habitual nos tempos difíceis que o cinema atravessa. Um filme sobre coragem e sobre uma lei antiga que os homens do mar conheciam e respeitavam. No passado, na guerra, salvavam-se inimigos como poderíamos salvar hoje os que procuram uma vida melhor.
Estreia esta semana nas salas portuguesas.