20 Mai 2024

Um México inventado nos subúrbios de Paris, um musical em espanhol realizado por um realizador que não fala a língua, uma atriz transgénero… O realizador Jacques Audiard, a cantora Camille e a atriz Karla Sofía Gascón revelam os segredos de “Emilia Perez”.

O filme conta a história de Manitas, um barão da droga mexicano que se torna mulher, a sua mais profunda aspiração. Mesmo que isso signifique desaparecer aos olhos da esposa (Selena Gomez) e dos filhos, mudar de vida e virar as costas à violência dos cartéis.

Para conduzir o seu plano, Manitas rapta Rita (Zoé Saldaña), uma advogada que costuma defender pequenos bandidos e maridos violentos, casos que “lhe deixam um sabor a merda na boca”. É ela que o ajuda a concretizar o seu plano, de Banguecoque a Telavive, acabando por tornar-se a colaboradora mais próxima.

Inclassificável, “Emilia Perez” mistura tons de thriller sombrio com cenas coreografadas ao som de reggaeton, música mexicana e até uma canção clássica francesa. Tudo ambientado numa sociedade mexicana ultraviolenta, mas filmado a 9 mil quilómetros de distância, nos estúdios de Bry-sur-Marne. Uma oportunidade para duas estrelas americanas, Zoe Saldaña e Selena Gomez, descobrirem este recanto dos subúrbios de Paris.

“Teria sido um desafio filmar no México. Pesquisei muitos locais, mas havia demasiadas restrições”, explica o realizador. No final, o estúdio “permitiu-me fazer as imagens que queria, sem ser contaminado pela realidade”. Apenas uma cena de interior e uma procissão numa aldeia foram rodadas no México.

“Quase não falo outra língua para além do francês”, brinca Audiard que ao filmar em espanhol, teve muito trabalho a traduzir as canções escritas com a cantora francesa Camille.

Não conhecer a língua “coloca-nos numa relação muito interessante”, sublinha o realizador, que já filmou em Tamil (“Dheepan”, Palma de Ouro 2015) e em inglês (“The Sisters Brothers”, 2018). “Como sou completamente apaixonado pela minha língua, se estou a filmar em francês, agarro-me a todos os pormenores. Aí, todo um campo poético se abre para mim”, continua.

“A música dos povos vem das suas línguas. Mergulhar numa língua é como mergulhar na música”, acrescenta Camille. “Tinha estudado espanhol na escola e (ter) esta oportunidade de cantar e escrever em espanhol, apesar de cantar em francês e inglês, deixou-me muito feliz”, acrescenta. “Adoro línguas (…) Se alguém me pedir para fazer um filme em chinês, aceito logo!

 

“Deixem-me em paz!”

A atriz espanhola Karla Sofía Gascón, que iniciou a sua transição de género aos 46 anos, é a revelação do filme em que interpreta o papel principal, o de Emilia Perez e o que costumava ser, um traficante de droga chamado Manitas.

“Não vou mentir, para mim, fazer de Manitas foi muito mais divertido do que fazer de Emilia Perez. Interpretar uma traficante de droga mexicano, com uma voz diferente da minha, e cantar”, confessa. “Inicialmente, Audiard não queria que fizesse a personagem masculina. Tive de o convencer, enviando-lhe vídeos e fotografias durante meses, até que uma manhã ele me telefonou e disse: ‘As duas personagens são tuas, deixa-me em paz'”.

Errado, sorri Jacques Audiard: “Ela exagera um pouco. Foi muito fácil convencer-me!”

 

Um toque Saint Laurent

Como se um desafio não bastasse, Jacques Audiard quis também colocar a música no centro deste filme, que trata da emancipação, da pobreza e da violência das relações sociais.

A certa altura, foi ponderada uma colaboração com Tom Waits, mas o músico recusou. O canadiano Gonzales também se envolveu no projeto, começando a compor canções, mas não conseguiu chegar a consenso com Audiard que acabou por escolher Camille, um disco voador da canção francesa, que conheceu sucesso no início dos anos 2000 com o álbum “Le fil”.

O resultado é uma coreografia recortada e canções sobre “mudar o corpo para mudar a alma e a sociedade”, sobre “homens, mulheres e todos os outros”.

Os cenários e os figurinos são irrepreensíveis num filme que conta com dinheiro da Saint Laurent Productions. A casa de moda é a primeira marca de luxo a incluir a produção cinematográfica nas suas atividades.

  • CINEMAX - RTP c/ AFP e Reuters
  • 20 Mai 2024 17:23

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