25 Out 2022 14:05
Com o seu sistema de financiamento único mas "obsoleto", o cinema francês tornou-se "um monstro autodestruidor", sujeito a "burocracia" em vez de recompensar a "audácia", disse o produtor independente Paulo Branco à AFP numa entrevista.
Enquanto parte da comunidade cinematográfica francesa, o português de 72 anos, que tem ajudado muitos jovens cineastas a emergir, foi um dos subscritores do apelo a uns "Estados Gerais" no início de outubro para discutir a forma como as autoridades públicas apoiam o sector.
O produtor declara-se bastante desapontado: "O que, de certa forma, me revolta é que a França, que deveria ser o país onde a audácia deveria ser recompensada, é de facto aquele onde é menos permitida", diz ele, sentado no escritório da Leopardo Filmes, no coração de Lisboa.
"O modelo francês atingiu o seu limite", diz este homem de cabelo despenteado e espesso bigode, que aponta como prova "a quantidade de filmes e a falta de qualidade de 99,9% dos mesmos".
Paulo Branco, que é também o pai do advogado franco-espanhol Juan Branco, produziu quase 300 filmes no decurso de uma carreira entre França e Portugal que permanecerá inseparável de realizadores como Raul Ruiz, ou Manoel de Oliveira.
Segundo o homem que o realizador do Festival de Cannes Thierry Frémaux descreveu uma vez como "o rei dos produtores independentes, o número um dos piratas no ramo", o cinema francês está a definhar "sob o domínio da burocracia" e "a ditadura do guião".
Indústria de protótipos
Para além das questões relacionadas com o cinema francês, Paulo Branco não está particularmente preocupado com o declínio da frequência do cinema, cuja morte foi anunciada "há cerca de quarenta anos".
"É preciso ter realizadores e, para ter realizadores, é preciso ter festivais e é preciso que os filmes sejam lançados nos cinemas para que os críticos possam falar sobre eles, bons ou maus", diz ele.
"Penso que ainda há lugar para alguns grandes cineastas novos, os novos Godards e o novo Orson Welles, mesmo que tudo seja feito para o evitar".
Paulo Branco observa em particular que "o papel do produtor praticamente desapareceu" para se tornar um simples "executor" de projectos escolhidos pelos canais de televisão e plataformas de streaming.
Segundo ele, o cinema continua a ser "uma indústria de protótipos" que não deve atribuir tanta importância ao sucesso comercial.
"Os primeiros filmes de Coppola não foram vistos por ninguém, e o mesmo se aplica a todos os grandes realizadores", diz ele.
Ainda motivado pelo desejo de partilhar os seus favoritos "minoritários", Paulo Branco organiza desde 2007 um festival que reúne estrelas internacionais e artistas ou intelectuais menos conhecidos.
O LEFFEST deste ano, a ter lugar em Lisboa e Sintra de 10 a 20 de Novembro, contará com os actores John Malkovich, Michael Fassbender e Alicia Vikander, assim como os realizadores David Cronenberg, Abel Ferrara e Olivier Assayas, e a filósofa e activista americana Angela Davis.