10 Set 2022 21:21

O júri do Festival de Veneza virou o centro das atenções para o drama dos opiáceos nos Estados Unidos ao premiar "All the Beauty and the Bloodshed", de Laura Poitras, um documentário sobre a fotógrafa Nan Goldin e a sua luta implacável contra o escândalo de saúde que tem reclamado centenas de milhares de vidas.

O júri, presidido pela actriz Julianne Moore, atribuiu o Leão de Ouro à realizadora, Laura Poitras, 58 anos, e assim coroou uma mulher pelo terceiro ano consecutivo, depois dos triunfos da francesa Audrey Diwan no ano passado (O Acontecimento) e da chinesa Chloé Zhao (Nomadland) em 2020.
A decisão foi uma surpresa. São poucos os documentários seleccionados nos principais festivais internacionais de cinema, embora o género tenha mostrado grande vitalidade nos últimos anos. Em 2013, a Mostra já premiara "Sacro GRA" de Gianfranco Rosi, sobre a estrada circular que rodeia a cidade de Roma.

Esta vitória distingue sobretudo uma personalidade que sonda incansavelmente as zonas cinzentas da América. Após investigar a ocupação americana do Iraque e os excessos em Guantanamo, tornou-se a confidente do denunciante Edward Snowden em "Citizenfour" (2015), vencedor do Óscar de melhor documentário.

"All the Beauty and the Bloodshed" é uma viagem pela vida de Nan Goldin, a fotógrafa de 68 anos conhecida pelas fotografias do metro de Nova Iorque e que tanto contacto teve com a morte, desde a SIDA até à crise dos opiáceos, a sua mais recente batalha, um confronto desigual contra a poderosa família Sackler, os principais produtores dos medicamentos analgésicos que viciaram e mataram meio milhão de americanos nas duas últimas décadas.

"Conheci muitas pessoas corajosas na minha vida, mas ninguém como (Nan Goldin), que lutou contra esta família muito poderosa", disse a directora ao receber o prémio.

O júri de Veneza enviou outro sinal político ao atribuir um prémio especial ao realizador Jafar Panahi, mostrando que o cinema não se curva à censura no Irão e oferecendo o seu apoio a um cineasta que paga pela sua liberdade com o desejo de criar.

Panahi, que ganhou o Leão de Ouro em 2000 com "O Círculo", é o único cineasta da competição que não pode estar no tapete vermelho, preso desde julho pelo regime dos mullahs.
Os prémios de interpretação foram para Cate Blanchett (Tár) e Colin Farrell (The Banshees of Inisherin).
A australiana Cate Blanchett ganhou o segundo prémio de interpretação da sua carreira em Veneza pelo papel de uma maestrina embriagada pelo poder em "Tár" de Todd Field.

A actriz de 53 anos, conhecida pelo seu empenho no feminismo, deu um espectáculo maravilhoso neste drama que evoca questões contemporâneas sobre a identidade, o abuso de poder e a chamada "cultura do cancelamento".

"Obrigado por (…) este festival que convida o público a voltar aos cinemas, é maravilhoso", disse Cate Blanchett ao receber o prémio."Não estaria aqui sem um realizador maravilhoso, este prémio também pertence a Todd Field (…) um grande realizador que sabe onde colocar a câmara a cada segundo", acrescentou.

Há 15 anos, já tinha ganho o prémio de Veneza com "I’m Not There" de Todd Haynes, no qual interpretou outro músico, Bob Dylan, cruzando a linha do género.


Colin Farrell ganhou pelo seu papel de agricultor de coração terno na comédia de humor negro "The Banshees of Inisherin". Frente à câmara do seu compatriota Martin McDonagh, o irlandês de 46 anos brilha numa parábola sobre o fim violento de uma amizade no cenário bucólico de uma ilha irlandesa isolada nos anos 20, na altura da guerra da independência.
O actor enviou uma mensagem vídeo desde Los Angeles dizendo que estava "completamente chocado e encantado".

Netflix ignorada

A lista de prémios soa como uma bofetada na cara do gigante online Netflix, que procura legitimidade cinéfila em Veneza. Privada da competição de Cannes porque os seus filmes não são lançados nas salas de cinema, ganhou o seu espaço no festival italiano onde apresentou nada menos do que quatro filmes.

No entanto, nem a elogiada actuação de Ana de Armas como Marilyn Monroe na biopic "Blonde", nem a representação excessiva de uma insurreição suburbana do director francês Romain Gavras em "Athena" convenceram o júri. O mesmo se passou com o mexicano Alejandro González Iñárritu, que aborreceu o público com os meandros do seu "Bardo", ou o americano Noah Baumbach, que não encontrou o encanto dos seus filmes anteriores com "White Noise".
Principal palmarés do 79.º Festival de Veneza

Leão de Ouro para o melhor filme: "All the Beauty and the Bloodshed" de Laura Poitras (EUA)

Leão de Prata – Grande Prémio do Júri e Leão do Futuro para a melhor primeira obra: "Saint-Omer" de Alice Diop (França)

Leão de Prata – Prémio para a melhor realização: "Bones and All" de Luca Guadagnino (Itália)

Prémio de interpretação feminina: Cate Blanchett por "Tàr" de Todd Field

Prémio de interpretação masculina: Colin Farrell por "The Banshees of Inisherin" de Martin McDonagh

Prémio Marcello Mastroianni para a melhor revelação: Taylor Russell por "Bones and all" de Luca Guadagnino

Prémio Especial do Júri: "Les ours n’existent pas" de Jafar Panahi (Irão)

Prémio melhor argumento : "The Banshees of Inisherin" de Martin McDonagh

  • CINEMAX RTP com AFP
  • 10 Set 2022 21:21

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