1 Nov 2014 18:18
O impacto de um filme como "Os Maias", de João Botelho, segundo Eça de Queiroz, não pode deixar de nos recordar que, desde os tempos heróicos do mudo, a história do cinema está recheada de filmes que ousaram inspirar-se em obras literárias de grande riqueza e complexidade. "Gente de Dublin", de John Huston, pode ser uma boa e esclarecedora memória.
A inspiração do filme de Huston está em "Dubliners", uma colecção de quinze contos de James Joyce, publicada em 1914 e reflectindo modos de vida do começo do século XX. O menos que se pode dizer é que é extraordinário o modo como o argumentista, Tony Huston, filho do realizador, consegue transformar esse conjunto de histórias numa narrativa fragmentada de impecável consistência dramática.
Contando com actores como Anjelica Huston, filha do realizador, Donal McCann e Katie O’Toole, eis um filme que sabe observar uma época de transformações de mentalidade e comportamento, ao mesmo tempo nunca simplificando o perfil emocional de cada personagem — diz-se, por vezes, que este terá sido um dos trabalhos mais pessoais de John Huston e faz sentido dizê-lo: estamos perante um verdadeiro testamento.
John Huston já não viveu o suficiente para assistir à estreia de "Gente de Dublin" — faleceu a 28 de Agosto de 1987, contava 81 anos, e o filme estreou cerca de quatro meses mais tarde, a 18 de Dezembro, vindo a obter duas nomeações para os Oscars, nas categorias de argumento adaptado e guarda-roupa.