8 Set 2016 0:00
Todos sabemos o que sucedeu a 22 de novembro de 1963, quando John Fitzgerald Kennedy foi assassinado. Mas não temos uma verdadeira noção sobre o impacto daqueles acontecimentos em Jacqueline Kennedy.
O realizador chileno Pablo Larrain retrata esta mulher concentrando-se nos eventos ocorridos em apenas quatro dias, entre 22 de novembro, a data do atentado, e 25 de novembro, quando aconteceram as cerimónias fúnebres.
Ícone, mito, lenda. Mulher, mãe, viúva. Elegante e sofisticada, mas misteriosa. Primeira dama sem marido e que assiste ao primeiro ato formal do sucessor, o presidente Lyndon Johnson, durante o funeral de John Kennedy.
O filme de Pablo Larraín adopta uma estrutura pouco convencional para tocar a verdade desta mulher. Concentra a ação nos factos históricos que já conhecemos e que ocorrem num curto espaço de tempo, ampliando o sofrimento de Jackie através de uma entrevista onde projeta a sua imagem histórica perante os eventos, e de uma conversa intíma com um padre onde expõe os sentimentos mais inquietantes.
Há um outro momento no filme que é a encenação dos filmes gravados para mostrar da Casa Branca, onde Jackie é a apresentadora – estas cenas revelam a insegurança que sentia em desempenhar o papel de primeira de dama e a dificuldade em manter a pose algo artifical.
Estas três sequências narrativas estruturais desenvolvem-se em paralelo à reconstituição dos principais momentos após o atentado – o percurso até ao hospital, a relação com Robert Kennedy, o acompanhamento dos dois filhos, as decisões relacionadas com o protocolo de estado e a sucessão presidencial.
"Jackie" é um filme biográfico que enreda estes momentos de forma elegante e extremamente coerente. O argumento e montagem definem com uma precisão extraordinária uma narrativa emocional que é reveladora do impacto daqueles acontecimentos e que permite conhecer diferentes personalidades: a que Natalie Portman constrói, a que Jackie procurou ser ("nunca quis a fama, apenas me tornei num Kennedy"), e quem verdadeiramente era.
Pablo Larraín constrói este retrato com a noção de quem está a lidar com um assunto de estado e a tocar a intimidade de uma figura histórica. E nunca sentimos um desvio, artístico que seja, nessa aproximação à verdade pública e pessoal. Através deste filme temos uma nova perspetiva do impacto político e da representação simbólica destes acontecimentos, além de uma percepção real do papel que Jackie desempenhou.
As pessoas adoram fábulas, ela tentou corresponder, e o filme procura não defraudar essa dimensão.
Estamos perante um triunfo cinematográfico que pode ser valorizado através de três aspetos.
A visão de Pablo Larraín, um chileno que rompe com as suas convenções cinematográficas para interpretar um tempo americano, é servida por um argumento magistral, uma fotografia espantosa, guarda-roupa e cenografia irrepreensíveis.
Vemos o melhor desempenho de Natalie Portman, atriz que parecia perdida desde "O Cisne Negro", de Darren Aronofsky (2010) – progressivamente desaparece na personagem construindo alguém que reconhecemos com Jackie, sobretudo que aceitamos com a mãe da América num momento em que o país perde o presidente, ou seja, fica orfão do pai.
Finalmente, há um elenco magistral, sobressaindo John Hurt (o padre), Peter Sarsgaard (Robert Kennedy) e o dinamarquês Casper Phillipson (espantosa figuração de John Kennedy).
É um filme que se eleva na competição do Festival de Veneza, sobressaindo como favorito para ganhar o Leão de Ouro. Além disso parece evidente que será consagrado nos Óscares do próximo ano.