15 Jun 2017 0:05
Podemos dizer que há uma lista mais ou menos longa de filmes que fizeram retratos dos mais diversos escritores. "Neruda", do chileno Pablo Larraín, é um recente e brilhante exemplo, muito para além das convenções do chamado “filme biográfico”. Outro exemplo da mesma estirpe poderá ser "Kafka", realizado por Steven Soderbergh em 1991.
O mínimo que se pode dizer do filme de Soderbergh é que não se trata, de facto, de uma biografia tradicional. Com um elenco liderado pelo admirável Jeremy Irons, contando ainda como Theresa Russell, Joel Grey e Alec Guinness, Soderbergh construiu o seu filme como um espelho dos medos que atravessam a obra de Kafka — a obra, quer dizer, o prazer secreto da escrita.
Sustentado por um notável argumento, escrito pelo inglês Lem Dobbs, "Kafka" é, de uma só vez, um filme transparente e atípico, biográfico e anti-biográfico. Trata-se, afinal, de mostrar Kafka como um corpo estranho ao seu próprio pensamento — é uma viagem de muitas atribulações pontuada pela magnífica música de Cliff Martinez.
Estranhamente, ou talvez não, "Kafka" tornou-se um dos mais esquecidos filmes de Soderbergh. Foi rodado logo após o impacto da sua primeira longa-metragem, "Sexo, Mentiras e Video", vencedora da Palma de Ouro de Cannes em 1989. Dir-se-ia que Soderbergh quis fugir a qualquer associação com o filme anterior, procurando novos caminhos criativos — conseguiu-o, sem dúvida, mas ainda hoje "Kafka" é, para muitos, um filme por descobrir.