04 Set 2023
O realizador francês Bertrand Bonello inspirou-se no espírito de David Lynch em “La bête”, apresentado domingo em competição em Veneza, com Léa Seydoux a embarcar numa alucinante viagem no tempo.
Navegando entre 1910, a atualidade e o ano de 2044, quando a inteligência artificial terá assumido o controlo da humanidade para a tornar mais racional, o filme é muito vagamente adaptado de um conto de Henry James, “The Beast in the Jungle”.
Um texto que antes inspirou Marguerite Duras, François Truffaut e, mais recentemente, or austríaco Patric Chiha, que lançou este verão uma versão com Anaïs Demoustier.
Este conto é “um dos melodramas mais dolorosos” que existem, afirmou Bertrand Bonello na conferência de imprensa.
Léa Seydoux interpreta uma artista, Gabrielle, que tem de regressar às suas memórias para as expurgar de todos os sentimentos, vasculhando também as suas vidas passadas.
Entre o amor e o terror, Gabrielle revive as suas emoções em flashes para um homem que viaja no tempo, Louis, interpretado pelo ator britânico George McKay.
Sobrenatural sem se tornar místico, o filme tece ligações através do tempo. As personagens femininas misteriosas e as pistas e motivos escondidos ao longo do argumento fazem lembrar o David Lynch de “Mulholland Drive” e “Twin Peaks”.
Bonello explicou que queria misturar melodrama, ficção científica, filmes de género e o terror sangrento.
“A estrutura é complexa, como um jogo matemático, mas por dentro tudo é simples, as emoções são básicas (…) É sobre o medo e o amor”, explicou.
O filme, que deverá chegar aos cinemas em 2024, termina com uma homenagem a Gaspard Ulliel, que morreu acidentalmente aos 37 anos no ano passado. O ator, que foi o Yves Saint-Laurent de Bonello em 2015, deveria ter interpretado o papel, que acabou atribuído a George MacKay.
Ulliel “morreu um mês antes da rodagem. Decidimos adiar o filme, mas avançámos na mesma. Não queríamos substituí-lo por um ator francês, para que não houvesse comparação, por isso decidimos ir a outro lado”, fazendo audições com anglo-saxónicos antes de escolher McKay, explicou.
Léa Seydoux recusa festejar enquanto Hollywood está em greve
Léa Seydoux pediu desculpa por não estar presente no Festival de Cinema de Veneza, sublinhando que era “difícil” imaginar-se a festejar enquanto Hollywood estava paralisada por uma greve histórica.
A atriz francesa, que se tornou conhecida no mundo anglófono com papéis nos filmes de James Bond ou nas longas-metragens de Wes Anderson, optou por não participar na promoção de “La Bête”, de Bertrand Bonello e pediu para lerem uma declaração sua durante a conferência de imprensa.
“É difícil para Léa (e George McKay, o britânico com quem partilha o ecrã) vir celebrar (o filme) sabendo que milhares de atores e argumentistas lutam para salvar os seus meios de subsistência”, lê-se no texto. “Esperamos que um acordo justo e equitativo seja alcançado em breve e que Lea e George se sintam mais à vontade para promover o filme”, acrescentam.
Não comparecer “é a forma mais justa de apoiar a greve”, continuou George McKay numa segunda mensagem.
O Festival de Cinema de Veneza é o primeiro festival a ser fortemente afetado pela greve histórica que paralisou Hollywood. Atores e argumentistas exigem melhores salários e um enquadramento para a utilização da inteligência artificial.
As filmagens estão paradas em Hollywood e as regras sindicais impedem as grandes produções americanas de trazerem as suas estrelas para o festival.
Alguns, como Adam Driver, preferiram vir a Veneza após terem obtido dispensas porque as produções em que participaram são independentes dos grandes estúdios. Os que o fizeram, até agora, tiveram o cuidado de mostrar a sua solidariedade para com os grevistas.
“La Bête” é o primeiro filme francês a sofrer as consequências da situação.