10 Nov 2016 1:13
Para que serve um festival de cinema? Respondamos da forma mais linear: serve para nos dar a conhecer filmes, se possível diferentes da produção corrente, por isso mesmo inesperados, capazes de desafiar os padrões normais de consumo. Nesta edição do Lisbon & Estoril Film Festival, "Christine" é um desses filmes. Simplificando, digamos apenas que se trata de um dos acontecimentos maiores da produção cinematográfica de 2016.
Realizado por Antonio Campos (cineasta independente americano de ascendência italiana e brasileira), "Christine" prolonga, de certo modo, a ambiência claustrofóbica do seu também admirável "Depois das Aulas" (2008). Nesse caso, tratava-se de expor os desequilíbrios internos de uma escola secundária; agora, evoca-se a existência breve de Christine Chubbuck (1944-1974), jornalista de televisão que se suicidou numa emissão em directo.
Muito para além (ou aquém) de qualquer facilidade "voyeurista", este é um filme sobre a pulsação mais íntima do espaço televisivo e o modo como uma mulher com uma história muito particular nele encontra um misto de redenção e tragédia. Com a acção situada numa época em que os canais informativos começavam a substituir a película de 16mm pelo video, "Christine" é também uma viagem perturbante pela relação das televisões com os valores cruéis das audiências.
Estreado de forma discreta nos EUA, "Christine" parece condenado a uma escassa visibilidade. O que é tanto mais bizarro quanto Rebecca Hall, no papel de Christine, é absolutamente admirável; já vimos actrizes ganharem Oscars por infinitamente menos. Entretanto, tanto quanto sei, a sua aquisição para o mercado português não está consumada — esperemos que, em qualquer caso, tão fascinante objecto de cinema possa vir a estrear-se nas nossas salas.