19 Mai 2019 23:25
Foi em 2011 que Terrence Malick arrebatou a Palma de Ouro de Cannes com "A Árvore da Vida". E uma coisa é certa: dos mais entusiastas aos mais resistentes, todos reconhecem que esse filme corresponde à abertura de um ciclo de pesquisa formal e temática que prosseguiu com "A Essência do Amor" (2012), "Cavaleiro de Copas" (2015) e "Música a Música" (2017). O mínimo que se pode dizer de "The Hidden Life", este ano na competição de Cannes, é que se trata de um sublime desenlace do trabalho anterior.
O filme esteve para se chamar "Radegund", nome da povoação das montanhas austríacas onde vive o protagonista, Franz Jägerstätter (August Diehl), com a mulher, Fani (Valerie Pachner), e três filhas pequenas. Tudo acontece em plena Segunda Guerra Mundial, com Franz, depois de ser convocado para os combates, a assumir uma posição de objector de consciência — para ele é impensável pegar numa arma e usá-la contra outros seres humanos.
Tendo em conta que o leitor pode não conhecer a história (verídica) de Franz, digamos apenas que, para Malick, ele não é exactamente o "estandarte" de um discurso político contra a guerra. Claro que é esse discurso que ele assume até às últimas consequências, mas o que mais conta é o facto de o fazer através daquilo que talvez possamos chamar transcendência afectiva: a sua obstinação decorre de uma convicção visceral e, no limite, apenas procura a concordância de Fani.
Escusado será dizer que, tal como nos filmes anteriores de Malick, qualquer sinopse corre o risco de passar ao lado da pulsação íntima do filme. Desde logo, porque ele continua a trabalhar os elementos naturais (neste caso, em particular, as montanhas e as permanentes tranfigurações das nuvens admiravelmente fotografadas por Jörg Widmer) como expressão íntima da experiência humana; depois, porque a dimensão musical da montagem de "The Hidden Life" desafia todas as normas de indexação dramática de passado e presente, tempo e lugar.
Com os seus espantosos actores, Malick cria, assim, um sistema de experiências sensoriais que, em qualquer caso, nunca exclui a crueza da história e, em particular, neste caso, a violência normativa do regime nazi. "The Hidden Life" é um filme deste tempo, para este tempo, impossível de classificar através da dicotomia "clássico/moderno". Malick filma mesmo como se o resto da história do cinema não existisse — por isso sentimos que estamos a ser acolhidos num país deslumbrante, perturbante e envolvente, capaz de nos ensinar a desafiar todas as nossas certezas.