19 Mai 2019 2:03
Como bem sabemos, a China adquiriu um papel fulcral na dinâmica global do cinema — por um lado, porque passou a possuir um mercado gigantesco, decisivo para a indústria de um país como os EUA; por outro lado, porque as suas estruturas de produção se têm desenvolvido (também) de modo exponencial, criando muitos laços com entidades produtoras das mais diversas origens.
Em relação a este último aspecto, "Le Lac des Oies Sauvagens" (à letra: ‘O lago dos gansos selvagens’), apresentado na competição de Cannes, é um exemplo revelador. Estamos de facto, perante uma co-produção com a França, mesmo se tudo o que vemos e acompanhamos é visceralmente chinês.
Escrito e dirigido por Diao Yinan, este é um objecto mais ou menos filidao na tradição do "thriller" que surpreende, antes de tudo o mais, pela observação contundente e realista dos lugares do crime organizado. Por aí circulam as personagens centrais, um homem e uma mulher (Liao Fan e Lun Mei Gwei, respectivamente, ambos excelentes), na sequência de um golpe que gera um labirinto de tensões, vinganças e mortes — trata-se de saber o que resta de humano para além de todas as traições.
Acima de tudo, Dia Yinan nunca esquematiza a complexidade das personagens em nome da "acção" porque, na verdade, o que mais conta é a evolução das suas relações, num jogo dramático tanto mais envolvente quanto está sustentado por uma estrutura temporal não linear, habilmente urdida. Em resumo: são notícias da China, muito para além de clichés mediáticos ou ideológicos. E compreendemos que muitos dos seus dramas possuem um forte apelo universal.