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Selecionado para o Festival de Cannes pelo seu filme sobre o médico nazi Josef Mengele, o cineasta russo exilado Kirill Serebrennikov defendeu, em entrevista à AFP, a necessidade de “nunca deixar de falar de Auschwitz”, para recordar “aquilo de que a humanidade é capaz”.

Adaptado do romance homónimo do realizador francês Olivier Guez, “O Desaparecimento de Josef Mengele” explora a fuga para a América do Sul, no pós-guerra, do criminoso nazi que realizou experiências genéticas nos deportados do campo de extermínio de Auschwitz.

Com este filme, apresentado na secção Cannes Première, o cineasta russo diz querer expor “o sistema que possibilitou a existência de Mengele” e que lhe “permitiu escapar ao castigo”.

O médico nazi, que morreu no Brasil em 1979, viveu na América Latina sem nunca responder pelos seus crimes, que lhe valeram a alcunha de “Anjo da Morte”.

Numa passagem marcante do filme, rodado em alemão e a preto e branco, Serebrennikov faz a escolha arriscada de filmar as experiências de Mengele e reconstruir o campo de Auschwitz.

“Foi, de facto, um verdadeiro problema, embora soubesse desde o início que tinha de o mostrar, caso contrário arriscava justificar Mengele”, afirma o cineasta de 55 anos, que refuta a ideia de que a Shoah deva escapar ao domínio da ficção cinematográfica.

“Pode-se fazer tudo”, diz. “Penso que a ideia de não falar sobre o assunto pode levar ao esquecimento”.

O debate sobre a representação da Shoah no ecrã ressurge regularmente, desde “A Lista de Schindler” (1993), de Steven Spielberg, até “A Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer, vencedor do Grande Prémio de Cannes em 2023.

“Temos de recordar constantemente às pessoas o que aconteceu em Auschwitz”, afirma Serebrennikov. “Temos de recordar o que a humanidade é capaz de fazer e recordar também que as pessoas que construíram Auschwitz adoravam filosofia, música e poesia. Acima de tudo, nunca devemos esquecer que a memória é curta.”

O realizador de “Limonov, a Balada” (2024) considera que a impunidade de Mengele continua a ser um “problema atual”. “Há pessoas responsáveis por crimes contra a humanidade e que, hoje, também tentam escapar ao castigo”, afirma.

Serebrennikov, que fugiu da Rússia após a eclosão da guerra na Ucrânia em 2022, mantém-se preocupado com “as coisas terríveis” que estão a acontecer no seu país, em particular com os artistas.

“Hoje em dia, as pessoas vão para a prisão devido a poemas contra a guerra”, observa o cineasta, galardoado com a Légion d’honneur francesa em Cannes, no sábado.

  • AFP
  • 21 Mai 2025 18:21

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