23 Jan 2025

“O Brutalista”, premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza em 2024, começa 2025 distinguido nos Globos de Ouro e com dez nomeações para os Óscares. Retrato do pós-guerra, a arquitetura como cenário impôs-se como reflexo do ambiente familiar de Brady Corbet e da mulher, Mona Fastvold, que escreveram o argumento, como explica o realizador numa entrevista ao CINEMAX RTP durante a estadia em Lisboa para o LEFFEST:

A minha mulher cresceu com um arquiteto na família. O avô dela era um designer de meados do século passado. O meu tio é arquiteto, andou numa escola do Arizona quando eu era criança. Ambos crescemos rodeados de arquitetura. Era algo que está muito presente nas nossas mentes. Já há alguns anos que queríamos fazer um filme sobre arquitetura, antes de finalmente nos sentarmos à mesa para o escrever.

É muito difícil determinar o momento exato da origem do projeto, porque este vem de anos e anos de diálogo entre mim e a minha mulher Mona e muitas outras coisas enriqueceram o projeto.

“toda a gente tem uma história para contar no filme”

Brady Corbet recorda que foi feito um extenso trabalho de pesquisa para ser fiel à época retratada no filme, mas, além do rigor, a intenção foi escrever o argumento de um romance e atribuir a cada personagem uma história para contar:

Havia mil e um detalhes que foram sendo introduzidos no argumento. Também estávamos interessados em escrever um argumento que se parecesse realmente com um romance, no sentido em que há uma espécie de economia de narrativa para fazer com que algo caiba em 90 minutos, ou mesmo em duas horas, o que nos deixa muita informação potencial em cima da mesa.

Queríamos fazer algo em que nos aprofundássemos na dinâmica entre estes personagens e toda a gente tem uma história para contar no filme, quer seja o pedreiro italiano, ou o braço direito de Adrian. Todos têm uma história.

Era muito importante para mim que cada personagem tivesse uma sequência dedicada à sua história e ao seu trauma. Todo o filme é sobre a psicologia e a arquitetura do pós-guerra.

“Interessou-me muito a forma como este trauma [do pós-guerra] moldou grande parte da arquitetura.”

No filme “O Brutalista”, a história desenvolve-se à volta de Laszlo Toth, um arquiteto judeu nascido na Hungria, que a seguir à Segunda Guerra Mundial, em 1947, vai para os Estados Unidos, iludido pela ideia do sonho americano.

As personagens inspiram-se na realidade. O realizador norte-americano Brady Corbet escolheu um arquiteto para a figura central da narrativa:

As personagens foram escritas de acordo com as circunstâncias da época. Era sobre um arquiteto que saiu da escola de Bauhaus. Na altura, eram predominantemente arquitetos judeus, da Europa de Leste, ou da Europa Central.

Por essa mesma razão, a personagem é um homem de meia-idade e não uma mulher, porque, na altura, os arquitetos eram predominantemente homens.

Era a única coisa que fazia sentido para uma história que se passa nos anos 50. Tudo o que as personagens são e o que representam deve-se apenas ao facto de se basearem na vida real.

“Fascina-me o facto de os autocratas adorarem a arquitetura neoclássica ornamental.”

A preocupação no filme passa pela importância de mostrar o processo criativo, desde a ideia até a concretização do projeto arquitetónico e do design. Brady Corbet quis dar destaque à importância da arquitetura na construção de uma sociedade, quer no aspeto físico, quer ideológico:

Muito do filme veio do facto de sentir que a alegoria visual era muito clara. Interessou-me muito a forma como este trauma moldou grande parte da arquitetura que agora tomamos por garantida. Passamos por ela como se fosse um parque de estacionamento e não pensamos duas vezes. Por isso, quis lançar alguma luz sobre esse período da arquitetura que penso que é muito mal compreendido.

Também me fascina o facto de, nos primeiros quatro anos de mandato de Trump, ele ter tido um mandato chamado Make Federalist Buildings Beautiful Again, tornar os edifícios federalistas de novo bonitos. Fascina-me o facto de os autocratas adorarem a arquitetura neoclássica ornamental. É uma característica fascinante dos autocratas. Adoram a pompa, adoram os desfiles.

Por isso, há esse ressentimento de tudo o que propõe algo com linhas mais limpas, mais puras, mais progressistas, mais avançadas.

“Tenho dificuldades em usar qualquer efeito visual que domine o enquadramento.”

“O Brutalista” acompanha as fases de construção de um edifício sem recurso a grandes efeitos especiais. O realizador explica como foram feitas as filmagens:

Filmámos na Hungria, em Itália, em Nova Iorque e em Filadélfia, mas a maioria das filmagens foi na Hungria. Por razões de planeamento, tivemos de desconstruir o edifício. Começamos com o edifício acabado e fomos o desconstruindo lentamente a partir daí. Foram construídas uma combinação de fachadas. São modelos práticos. Usámos várias técnicas diferentes para o conseguir, mas foi tudo feito de uma forma muito antiquada, na maior parte.

Para além dos efeitos visuais, para pequenas extensões e coisas do género, a minha regra para os efeitos visuais é que só podem funcionar na periferia do enquadramento. Tenho dificuldades em usar qualquer efeito visual que domine o enquadramento. Por isso, não há efeitos visuais no filme que ocupem 90% da imagem, ou algo parecido.

Quando realizou a saga de um arquiteto judeu que, no final da Segunda Guerra Mundial, migra para os Estados Unidos, Brady Corbet não teve a intenção de fazer um filme moralista:

Faço o meu melhor para não ser eu a explicar o filme ao público, porque nunca se deve tirar essa experiência a alguém. É como olhar para um quadro e ouvir uma música. Estamos a projetar-nos naquilo que estamos a ver, ou a ouvir.

Penso que o filme tem temas que são muito claros, mas, em termos de mensagem, não é um conto moral, ou algo do género. Creio que é apenas uma exploração de uma dinâmica muito desconfortável entre uma espécie de América Protestante e toda a gente.

“O Brutalista” chega esta semana aos cinemas portugueses.

  • Margarida Vaz
  • 23 Jan 2025 20:06

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