14 Mar 2015 18:10
Hoje em dia, quando descobrimos obras como "O Pequeno Quinquin", uma série de televisão que é também um filme, não podemos deixar de reconhecer que os cruzamentos cinema/televisão constituem elementos correntes da paisagem audiovisual. Um dos primeiros filmes a nascer com esse carácter híbrido tem assinatura do mestre italiano Michelangelo Antonioni — chama-se "O Mistério de Oberwald" e surgiu em 1980.
Digamos que se trata de um objecto que corresponde a uma espécie de romantismo tardio, com Monica Vitti a interpretar uma rainha viúva que, algures no séc. XIX, é visada por um jovem poeta que, de facto, a quer assassinar, desse modo libertando o seu reino… Acontece que o poeta é um sósia do rei morto — o que quer dizer que estamos no domínio da parábola sobre o poder, o amor e o poder do amor.
Antonioni baseou-se na peça "A Águia de Duas Cabeças", escrita por Jean Cocteau em 1947. A sua preocupação não consistiu tanto em reencontrar as regras do teatro como em superá-las, por assim dizer, forçando-as através da manipulação das imagens e dos recursos específicos do vídeo — hoje, esse é um trabalho que pode parecer tecnicamente limitado, ou até incipiente; mas visto no seu contexto, isto é, no ano de 1980, tratava-se de um invulgar desafio formal e narrativo.
Na filmografia de Antonioni, "O Mistério de Oberwald" surge situado entre dois títulos que, por assim dizer, funcionam como testes aos limites das identidades masculina e feminina — o primeiro, "Profissão: Repórter" tinha surgido em 1975; o segundo, "Identificação de uma Mulher", é de 1982. Ele estava, afinal, à procura de novas linguagens para o cinema — e soube fazê-lo também através da televisão e das técnicas do video.