16 Nov 2023

Um pub decadente e em risco de fechar, é o lugar onde se discutem os problemas de uma pequena cidade no nordeste de Inglaterra, para onde o governo britânico envia refugiados sírios. O encontro de duas comunidades abandonadas é a história que Ken Loach imaginou para refletir sobre as origens de um discurso racista e xenófobo que alastra na Europa.

Na entrevista concedida ao Cinemax, o realizador refere como a vivência nas antigas comunidades mineiras, agora ao abandono, foi muitas vezes tema de conversa com Paul Laverty, o habitual colaborador na escrita de argumentos.

“…as pessoas sentem-se perdidas, sem esperança, desanimadas, zangadas e amargas. E é aí que a extrema-direita pode entrar, porque eles capitalizam esse desespero.”

“Falávamos muito das consequências das velhas indústrias terem fechado. Isso vê-se de forma clara nas antigas cidades mineiras. Porque há a mina no centro da vila, há as casas dos mineiros à volta e depois é campo. Não é como na cidade, onde talvez seja possível encontrar trabalho (…) quando as minas fecham a comunidade fica abandonada. Não há investimento. As lojas fecham, as casas ficam vazias. Não há infraestruturas públicas. Escolas e igrejas fecham. Desaparece tudo e as pessoas sentem-se perdidas, sem esperança, desanimadas, zangadas e amargas. E é aí que a extrema-direita pode entrar, porque eles capitalizam esse desespero.”

Na região do nordeste de Inglaterra, a dupla Loach e Laverty filmou três histórias sobre condições de pobreza e vulnerabilidade.

A primeira, “Eu, Daniel Blake” sobre a rigidez do sistema de apoios sociais em Inglaterra, venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. “Passámos Por cá”, retrata uma família exposta aos desafios de uma economia que incentiva o trabalho independente, mas precário.

Em “O Pub the Old Oak”, Ken Loach e Paul Laverty refletem sobre o encontro de uma população que caiu no esquecimento, com os refugiados que escaparam à guerra na Síria e foram enviados em larga escala para aquela zona do país.

“As personagens são ficcionais, mas foram escritas a partir de pessoas que encontrámos…”

Ken Loach explica como a pesquisa do filme passou por contactos com as agências de ajuda à integração dos estrangeiros que relataram situações tensas.

“Quando começámos a pesquisa, a situação já estava melhor do que quando chegaram os primeiros refugiados, porque o governo local encontrou formas de os apoiar. Mas quando chegaram os primeiros não havia nada.”

Uma antiga cidade mineira a viver dias de angústia, é confrontada com a chegada de um grupo de refugiados vindos da Síria. No único pub que ainda resta, as conversas passam por um sentimento de revolta perante o que muitos consideram ser uma invasão. TJ, o dono do lugar, é um homem moderado no discurso que tenta ajudar as famílias desprotegidas e traumatizadas pela guerra.

Ken Loach construiu uma história ficcionada com personagens inspiradas em histórias reais – “As personagens são ficcionais, mas foram escritas a partir de pessoas que encontrámos (…) depois há necessidades dramáticas para contar a história (…) havia pessoas que tinham sido socialmente ativas, que tinham trabalhado com a comunidade e foram militantes políticos, mas que perdem a energia e a esperança. E simplesmente desanimam porque nada muda”.

“… as pessoas têm razão para estar zangadas.”

Ainda há quem se lembre ou conheça as histórias de solidariedade dos mineiros e tente manter o mesmo espírito, mas “o sentimento mais forte é de desânimo”, até porque, como ressalva Ken Loach, estas comunidades sentem-se abandonadas e têm razão para isso.

“Queríamos mostrar como começa. Porque começa pelo facto das pessoas terem razão. É errado ter abandonado aquela comunidade. Têm o direito a estar zangados porque não há qualquer indústria ali. Têm o direito a exigir que o governo invista, porque há muita coisa que pode ser feita. Por exemplo, novas tecnologias ambientais, podiam estar ali. Podiam ter um trabalho e bons salários. Segurança. Mas não. É um governo capitalista e uma oposição capitalista e não vão usar os recursos para investir. Por isso, as pessoas têm razão para estar zangadas”.

O cinema de Ken Loach tem captado as fragilidades das classes mais desprotegidas e, neste caso, a forma quase normalizada como o discurso xenófobo pode ganhar dimensão num país onde o próprio governo não mede as palavras porque, “Segundo alguns políticos, esse (o dos refugiados), é o maior problema que temos. A habitação está um colapso, as pessoas não têm casa, estão desesperadas. Os níveis de pobreza são colossais. As pessoas têm fome, mas esqueçam isso tudo, o problema são os imigrantes!”.

É fácil para o discurso xenófobo encontrar seguidores entre pessoas desesperadas, por isso Ken Loach defende que, “importa sublinhar que não é preciso desesperar.”

Aos 87 anos, o realizador britânico sabe que cada filme pode ser o último. Por isso, é mais importante que nunca manter o olhar atento ao mundo e as convulsões sociais que o atravessam. O alastrar de um discurso sobre os perigos da entrada de estrangeiros em pequenas comunidades, ou a atribuição de culpas a quem vem de fora, são alguns sinais de como a vida de uma pequena comunidade, pode ser um espelho do estado do mundo.

Ken Loach regressou à competição do festival de Cannes onde já conquistou duas Palmas de Ouro com os filmes “Brisa de Mudança” e “Eu, Daniel Blake”.

“O Pub the Old Oak” não conseguiu prémios, mas provou que continua a ser uma referência no cinema vigilante que dá voz a preocupações humanitárias e contextos sociais tantas vezes colocados em segundo plano.

Estreia esta semana nos cinemas portugueses.

  • Lara Marques Pereira
  • 16 Nov 2023 16:13

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