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27 Out 2025

Uma aldeia na Beira Baixa, o bêbado da terra, um objeto mágico, uma espada que fala, uma sociedade secreta, monstros e assombrações, são os ingredientes que trazem mistério ao filme “O Velho e a Espada”, do realizador português Fábio Powers:

O pitch que fui dando foi muito claro e muito direto. É um filme sobre um velho que tem uma espada que fala, vê a alma das pessoas, mas só quando está bêbado. Depois, juntos, tem que quebrar uma terrível maldição.

É fantasia e comédia. Tem várias camadas, várias interpretações. O filme tem a vertente da comédia, temos os monstros, etc., mas tem muitas metáforas. O tema principal é mesmo a solidão do protagonista, que é também um dos meus maiores medos. Tem várias interpretações e fico feliz por estarem a ser compreendidas.

O realizador Fábio Powers é natural da Beira Baixa. As tradições e as histórias que ouviu contar fazem parte do imaginário desde criança. Desde sempre sentiu vontade de fazer este filme:

Começou a surgir logo na infância, quando ouvia estes mitos e estas lendas aqui da minha zona, dos meus avós e dos meus tios, dos medos, da boa hora e da má hora. Para nos assustar, para não andarmos na rua até tarde, tudo começou se calhar por aí. Depois, para aí aos 13 anos, quando ia a um sítio mágico chamado Videoclube, descobri os filmes de série B, apaixonei-me e fiquei a pensar que um dia tinha de fazer um filme deste género.

Estudei cinema e continuava lá a ideia de fazer este filme. Já tinha prometido também ao protagonista, ao António, uma pessoa que conheço desde pequeno, porque é tio de um primo meu. Nós íamos àquela aldeia do Pé da Serra muitas vezes e eu achava-lhe imensa piada e dizia-lhe ‘alguém te devia meter num filme’. Pronto, calhou que essa pessoa fosse eu e resultou mesmo muito bem.

O projeto pessoal de Fábio Powers demorou mais de 10 anos a concretizar, mas cumpriu a promessa. António é mesmo a figura central de “O Velho e a Espada”:

Não é um ator profissional, mas surpreende com o desempenho tanto no drama como na comédia. Sabia que ele ia ser engraçado, não sabia se ele iria ter capacidade de conduzir um filme inteiro, mas surpreendeu-nos a todos. Houve momentos em que arrepiou a equipa por inteiro nas filmagens, porque superou todas as expectativas e tem surpreendido também o público. Para alguém que não tinha qualquer tipo de experiência, foi absolutamente incrível.

Há outro aspeto curioso: quando estava a escrever o guião com a ajuda do meu amigo Cristiano, discutimos como seria engraçado, uma vez que ele tem uma espada demoníaca e anda aí a matar demónios, se o António se chamasse António da Luz. Ao qual o António se vira para mim e diz ‘mas eu chamo-me mesmo António da Luz’. E eu ‘não, mas tu estás a brincar’. Ele tirou a carteira do bolso, mostra-me-o BI e de facto ele chama-se António da Luz. Coisa de que eu não fazia a mínima ideia.

Outra personagem principal é a espada que tem a voz de João Loy, uma das vozes da série Dragon Ball. Fábio Powers, revela que a espada foi criada de propósito para o filme e tem um toque feminino:

Em termos estéticos, fizemos uma sessão de concept art que foi criada por uma amiga minha chamada Ana Flávia, que também reside aqui em Castelo Branco. Ela fez uma série de esboços até chegarmos ao design que eu imaginava para o filme. Passámos essas imagens a outra amiga minha albicastrense, a Paula Nunes. Lancei-lhe este desafio, felizmente ela aceitou e fez a espada em tempo recorde. Depois, em termos de personalidade, já foi pensada na voz do João Loy. Foi um processo um bocado simbiótico. Há ainda outra passagem, que é dar-lhe efetivamente uma alma. E como fizemos isso? Foi animar o olho. O olho é que transmite a personalidade da espada. Foram planos criados por um amigo meu da Almeirim, que é o Jules Spaniard. Foi um trabalho incrível. Só com um olho, como é que ele consegue transmitir tanta emoção e tanta personalidade à espada? Os olhos são o espelho da alma, não é?

O cenário de “O Velho e a Espada” é a aldeia do Pé da Serra, no concelho de Castelo Branco. Foi uma escolha natural para Fábio Powers:

As imagens foram feitas quase na íntegra, naquela aldeia de Pé da Serra. E é uma mistura também com partes das Sarzedas, uma aldeia lá perto, onde está a Junta de Freguesia.

Nós precisávamos de alguns cenários que não existiam no Pé da Serra. Precisávamos da igreja, onde o António também conhece o padre, etc. O filme é uma mistura dessas duas aldeias, mas foca-se primeiramente ali, no Pé da Serra, que é uma aldeia lindíssima. E as pessoas receberam-nos muitíssimo bem. Ao início estranharam um bocado, verem monstros ali pelas ruas e pessoas de máscara. Causou alguma estranheza, como é natural.

Depois, entraram na brincadeira e durante as filmagens às vezes convidavam-nos para as garagens deles e davam-nos pão, queijo e vinho. Foi uma experiência muito especial.

Para o elenco, o cineasta contou com companhias de teatro locais e aproveitou o Cantar das Janeiras:

No filme também temos presente uma tradição, que é o Cantar das Janeiras. Porque estava a acontecer mais ou menos quando estávamos a gravar o filme. Foi uma coincidência engraçada que fazia todo o sentido enquadrar no filme, porque as pessoas da aldeia andavam porta em porta a cantar músicas que falam dos espíritos e das almas. Encaixou perfeitamente na alma do filme de tentar aproveitar ao máximo os recursos locais.

Participa o Grupo de Teatro O Vatão. Também foram extremamente generosos na sua participação e estão sempre disponíveis. Ao início nem sabiam bem onde é que se iam meter, mas também têm uma certa dose de loucura, alinharam na brincadeira e estão muito orgulhosos do resultado. Participou ainda um grupo de teatro aqui de Idanha-a-Nova, o Marafona Encantada.

Fábio Powers usou efeitos especiais em “O Velho e a Espada”, mas sem ficar dependente deles, estão lá para servir a história:

Foram mais de 500 planos de efeitos especiais e muitos planos invisíveis, o que implicou apagar sinais de trânsito, ou antenas que estavam a incomodar o plano. Às vezes fazer extensões de cenário, porque a aldeia tem mesmo aquele potencial cinematográfico. Fazia falta ter aquela presença sempre da montanha. Também acaba por ser uma personagem do filme.

Tem muito também de Dom Quixote, as ilusões do velho e nunca sabemos bem o que é real, o que ele está a imaginar e então foi um desafio encontrar às vezes esse meio-termo nos efeitos especiais. O foco tinha de estar no António e na história e os efeitos especiais têm de lá estar para enaltecer a história e não distrair.

“O Velho e a Espada” teve apresentação no Motel X e tem feito sucesso por onde passa. Esteve em mais de 100 festivais em todo o mundo e soma 30 prémios. Fábio Powers recorda um dos momentos memoráveis do percurso do filme:

O filme tanto tem sido selecionado para festivais mais virados para a comédia e de produção série B, como tem sido selecionado para festivais de prestígio como o Fantasia no Canadá, que é um dos maiores festivais internacionais do género onde conheci produtores e realizadores da Hollywood, conheci o Mike Flanagan, que foi muito gentil, foi lá falar comigo.

Foi-me desejar boa sorte e dizer que o primeiro filme dele também tinha estreado naquela sala. Foi uma experiência surreal conhecê-lo e ele desejar-me boa sorte. Foi quase uma espécie de bênção e tem corrido bem o filme.

Nem eu, nem ninguém da equipa alguma vez imaginámos que o filme teria este percurso. E agora chegar às salas comerciais também é um sonho concretizado.

“O Velho e a Espada” é um filme diferente de série B que associa o fantástico às tradições populares do interior de Portugal:

Um velho bêbado com uma espada que fala, o que vai sair daqui? É mais do que parece à partida. Não é só uma comédia, é um filme que celebra a nossa cultura, a nossa região. É uma fantasia, uma comédia em primeiro lugar, mas é muito mais do que isso, é maior do que a soma das suas partes.

  • Margarida Vaz
  • 27 Out 2025 10:49

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