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22 Dez 2025

A seleção do Cinemax reflete um cinema brasileiro pujante, capaz de chamar público e de marcar pontos na cena internacional. Acolhe uma revelação do cinema português que constrói nome a partir da Escócia, e uma confirmação que saiu do ambiente competitivo de Cannes com ótimas críticas e o prémio para a melhor atriz na secção Un Certain Regard.

Recupera ainda o que de melhor se fez num cinema norte-americano à procura de novose caminhos na produção e distribuição e também na China, o segundo maior mercado mundial.

Por fim, espaço aos europeus consagrados, com Lanthimos e Laxe, e destaque para os que colocam em prática uma das palavras da moda: “resistência”, em Gaza, na Cisjordânia, ou no Irão.

 

FOI SÓ UM ACIDENTE

Realização: Jafar Panahi

Rodado em segredo ao longo de 25 dias, “Foi Só Um Acidente” conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2025, consolidando Panahi como um dos poucos cineastas a vencer os três grandes festivais europeus — Berlim, Veneza e Cannes. Marcou também o regresso de Panahi às sessões de gala e à passadeira vermelha.

A história pessoal que marca esta obra remonta a 2010, quando Panahi foi preso num apartamento enquanto filmava com a família e o amigo e colega Mohammad Rasoulof. Após três meses de detenção, foi condenado a seis anos de prisão com pena suspensa. Ficou igualmente proibido de sair do Irão, conceder entrevistas, ou realizar filmes — uma interdição que só seria levantada em 2022 pelo Supremo Tribunal.

O realizador voltaria a ser preso em julho de 2022, no auge do movimento “Mulher, Vida e Liberdade”, desencadeado após a morte de uma jovem detida por não usar o véu segundo as regras impostas pelo regime.

Esse regresso forçado à prisão serviu de matéria viva para o thriller “Foi Só Um Acidente”, onde um grupo de antigos prisioneiros julga reconhecer a pessoa que os torturou.
A obra conquistou o júri de Cannes e colocou Panahi num patamar reservado apenas a três outros nomes da história do cinema — Henri-Georges Clouzot, Michelangelo Antonioni e Robert Altman — que também venceram nos três grandes certames europeus.

 

ON FALLING

Realização: Laura Carreira

​“On Falling” é a primeira longa-metragem de Laura Carreira, foi coproduzida entre Portugal e o Reino Unido. O filme obteve reconhecimento internacional, incluindo o Prémio de Melhor Realização (Concha de Prata) no Festival de San Sebastián, o Sutherland Award para Melhor Primeira Obra no BFI London Film Festival, além de dois BAFTA escoceses para melhor argumento e melhor filme de ficção.

Em “On Falling”, Laura Carreira volta a explorar as questões ligadas ao trabalho e à precariedade, tal como aconteceu nas curtas-metragens “Red Hill” (2918) e “The Shift” (2020).

Nesta longa-metragem, Laura Carreira centra-se nas experiências de uma jovem portuguesa emigrada na Escócia, uma trabalhadora na linha de recolha de pacotes e encomendas num armazém de comércio eletrónico em Glasgow. O filme explora a precariedade laboral e os desafios da imigração. A realizadora exlica que é “um retrato íntimo e seguro de uma solitária migrante portuguesa e sobre a sua relação com o trabalho precário, que a condiciona e limita”.

Estreou nas salas de cinema portuguesas em março e foi visto por 13 387 espectadores. É o quarto filme nacional mais visto em 2025.

 

O RISO E A FACA

Realização: Pedro Pinho

“O Riso e a Faca” é a segunda longa-metragem de Pedro Pinho que filmou na Guiné Bissau uma ficção sobre um engenheiro ambiental português que viaja para uma grande cidade da África Ocidental para trabalhar para uma ONG na avaliação e construção de uma estrada entre o deserto e a selva e cruza-se com o desaparecimento misterioso do técnico que o antecedeu.

À medida que descobre as dinâmicas neocoloniais da comunidade de expatriados, esse laço frágil torna-se o seu único refúgio perante a solidão ou a barbárie.

A atriz Cleo Diára que interpreta o papel principal feminine no elenco recebeu o prémio de melhor atriz na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2025 pela sua interpretação no filme e foi selecionada para integrar o programa europeu de talentos “Shooting Stars”, do festival de Berlim em 2026.

“O Riso e a Faca” foi incluído na lista dos dez melhores filmes de 2025 em diversas publicações de cinema, inclundo a lista da prestigiada revista francesa Cahiers du cinéma.

 

AINDA ESTOU AQUI

Realização: Walter Salles

“Ainda Estou Aqui”, filme de Walter Salles, é um dos grande sucessos internacionais do cinema brasileiro. Foi premiado no Festival de Veneza, onde recebeu o prémio de melhor argumento, nos Globos de Ouro, com a protagonista Fernanda Torres a ser reconhecida como melhor atriz dramática, e recebeu o Ócsar de melhor filme internacional.

Ao recuperar memórias dolorosas dos tempos da ditadura militar (1964-1985), “Ainda Estou Aqui” agitou a sociedade e enfrentou críticas de setores que ainda negam a existência de repressão. Isso contribuiu para o grande sucesso comercial no Brasil. Fechou 2024 como o quinto filme mais visto. Ao mesmo tempo, foi a única produção local entre os 10 mais vistos, superando os 3 milhões de espectadores.

É o maior resultado de uma produção brasileira desde a pandemia e um dos grandes responsáveis pelo bom desempenho do cinema brasileiro em 2024, com uma quota de mercado que chegou aos 10,5%.

Para Walter Salles, “Ainda Estou Aqui” tornou-se o maior sucesso comercial da sua carreira ao ultrapassar os 1,6 milhões de espectadores de “Central Brasil”, estreado em 1998.

 

O AGENTE SECRETO

Realização: Kleber Mendonça Filho

“O Agente Secreto” confirma o bom momento do cinema brasileiro ao integrar a lista de pré-selecionados aos Óscares 2026, divulgada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em duas categorias, de melhor elenco e filme internacional.

O filme já ultrapassou a marca de 1 milhão de espectadores nas salas de cinema brasileiras, sendo a produção nacional com maior bilheteria no país em 2025.

Este reconhecimento sucede aos prémios de melhor realizador e ator no festival de Cannes e às nomeações para os Globos de Ouro nas categorias de melhor drama, filme internacional e ator.

Wagner Mora interpreta Marcelo, um especialista em tecnologia refugiado em Recife, que se vê envolvido numa atmosfera de paranoia e perigo. É um thriller intrigante sobre a memória coletiva nos anos de chumbo da ditadura brasileira.

 

BUGONIA

Realização: Yorgos Lanthimos

Inspirado no filme sul-coreano “Save the Green Planet!” (2003), de Jang Joon-hwan, “Bugonia”, de Yorgos Lanthimos, teve estreia mundial na competição do 82.º Festival Internacional de Cinema de Veneza.

Comédia negra de ficção científica, com interpretações intensas de Emma Stone e Jesse Plemons, leva a teoria da conspiração ao extremo ao seguir dois primos convencidos de que a poderosa CEO de uma multinacional é, na verdade, uma extraterrestre disfarçada. O rapto da empresária dá início a uma espiral de tensão psicológica, humor absurdo e delírio paranoico, onde se esbate a fronteira entre realidade e alucinação.

Em “Bugonia”, uma história sobre renascimento e obsessão, o realizador grego combina o humor negro característico da sua obra com uma música envolvente, numa reflexão tão divertida quanto inquietante sobre a desinformação, a perceção e a fragilidade humana.

É também o fim de uma fase de produtividade quase febril para o realizador grego, com três longas-metragens lançadas em apenas dois anos e quatro colaborações consecutivas com Stone.

 

SIRÂT

Realização: Oliver Laxe

“Sirât”, foi a estreia na principal competição do Festival de Cannes do realizador franco-espanhol Óliver Laxe que saiu da Croisette com o Prémio do Júri.

Antes, fora distinguido com um prémio semelhante na secção Um Certo Olhar graças a “O Que Arde”, filme passado na Galiza.

Desta vez, Laxe rodou no sul de Marrocos. Em “Sirât”, Sergi López interpreta o papel de um pai à procura da filha. Sabe que ela frequenta as raves que ocorrem no deserto. Numa carrinha, com o filho e o cão, embarcam numa viagem ao lado de um grupo de jovens europeus.

Surpresa positiva para a crítica, sucesso comercial em Espanha, “Sirât” começa como uma busca, praticamente sem diálogos, mas ameaça transformar-se num pesadelo com um conflito que se aproxima e o combustível a escassear.

“O guião é como uma garrafa no mar, é preciso acreditar nele”, disse Sergi López. “Não sou grande cinéfilo, não tenho muitas referências cinematográficas e não sou grande leitor. Leio muitos guiões e a única coisa em que posso confiar é na minha intuição”, explicou.

 

COM A ALMA NA MÃO CAMINHA + NO OTHER LAND

Realização: Sepideh Farsi e Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham

Em 2025, a Palestina esteve no centro da atualidade noticiosa e do debate público. “Com a alma na mão, caminha”, de Sepideh Farsi, e “No Other Land”, de Basel Adra, Hamdan Ballal e Yuval Abraham, oferecem um contraponto humanista às imagens de guerra que dominam o fluxo mediático ao centrarem‑se em figuras concretas – Fatma Hassona, Basel Adra, Yuval Abraham e as comunidades de Gaza e de Masafer Yatta, na Cisjordânia ocupada.

Ambos partem de gestos de resistência cinematográfica: um através da intimidade de chamadas de vídeo a partir de Gaza, outro a partir da observação persistente da demolição de casas e da expulsão de comunidades na Cisjordânia ocupada, dando rosto, voz e personalidade às pessoas que a cobertura diária reduziu a números.

Em “Com a alma na mão, caminha”, a cineasta Sepideh Farsi acompanha, à distância, a vida de Fatma Hassona, jovem fotojornalista em Gaza, através de uma série de videochamadas que atravessam meses de bombardeamentos, cortes de eletricidade e morte. Impedida de entrar em Rafah devido ao bloqueio israelita, a realizadora constrói um retrato a dois onde a personagem central surge como autora das próprias imagens e narradora de um quotidiano feito de medo, fome e destruição. O filme, que teve estreia mundial em 2025 na secção ACID do Festival de Cannes, antes de percorrer salas e programações europeias, é, ao mesmo tempo, memorial de uma vida interrompida e denúncia da violência em Gaza.

“No Other Land” segue Basel Adra, ativista e jornalista palestiniano de Masafer Yatta, enquanto documenta a destruição sistemática da sua comunidade no sul da Cisjordânia e desenvolve uma improvável aliança com o jornalista israelita Yuval Abraham. Os realizadores – Adra, Ballal, Abraham e Rachel Szor – trabalham a partir de um arquivo de imagens acumuladas ao longo de duas décadas por famílias palestinianas, combinando o registo de demolições, confrontos com o exército e ataques de colonos com momentos de intimidade, dúvidas e fricção política. ​

“No Other Land” teve estreia mundial na secção Panorama da Berlinale 2024, onde conquistou o prémio do público e o prémio para melhor documentário, e acabou por vencer o Óscar de Melhor Documentário.

 

CÃO PRETO

Realização: Guan Hu

Surpresa agradável do cinema chinês, “Cão Preto” afasta o realizador Guan Hu das grandes produções patrióticas de tempos recentes. Estreado em Cannes, venceu o prémio de Melhor Filme na secção Un Certain Regard.

“Cão Preto” acompanha Lang, um ex-detido que regressa à sua cidade no noroeste da China, quase abandonada e prestes a ser demolida para dar lugar a um complexo industrial. Encontra trabalho numa brigada encarregada de capturar cães vadios antes dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008, até criar um laço inesperado com um temido cão preto por quem foi mordido e com quem é colocado em quarentena.

A história nasce da vontade de Guan Hu de registar um momento de viragem na China em torno dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008, quando programas governamentais de “limpeza” urbana incluíam a remoção sistemática de cães vadios das cidades em transformação.

Em entrevistas, o realizador sublinhou que queria observar a vida de um homem comum à saída da prisão num território industrial em vias de demolição, usando a relação com um cão errante como fábula sobre comunicação entre espécies, solidão e redenção num país dividido entre o orgulho modernizador e o sentimento de perda provocado pelas mudanças sociais.

 

BATALHA ATRÁS DE BATALHA

Realização: Paul Thomas Anderson

Em “Batalha Atrás de Batalha”, Leonardo DiCaprio é Bob Ferguson, o ex-militante de um grupo revolucionário que leva uma existência solitária, entre a desilusão e a paranoia. O regresso de um antigo inimigo e o desaparecimento da filha obrigam-no a sair da letargia e a reencontrar antigos companheiros de luta.

Combinação de filme de ação e comédia dramática, “Batalha Atrás de Batalha” leva o realizador americano Paul Thomas Anderson a explorar áreas em que normalmente não costuma tocar, com um orçamento mais generoso e cenas de ação para contar a história de um antigo revolucionário e de uma operação de resgate.

Inspirado em “Vineland”, romance escrito por Thomas Pynchon, “Batalha Atrás de Batalha” é, nas palavras de Leonardo DiCaprio, o protagonista, um filme que tem “muito a ver com a humanidade” e “com a polarização no mundo em que vivemos” uma sátira que não poupa os extremismos à esquerda ou à direita do espectro político. O filme ideal para ser lançado no mundo de hoje, acrescentou o ator em declarações quando da estreia nos cinemas.

Curiosa coincidência, pois Paul Thomas Anderson, realizador de “Magnólia”, “Haverá Sangue” e “Linha Fantasma” começou a pensar “Batalha Atrás de Batalha” há vinte anos. A longa-metragem, que alterna entre cenas de ação e momentos íntimos, fala dos temas que estão na ordem do dia, incluindo a imigração ilegal e o racismo, enquanto reflete sobre o legado das ideologias e movimentos revolucionários dos anos 60 e 70.

  • Tiago Alves e António Quintas
  • 22 Dez 2025 16:38

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