28 Dez 2017 12:25
A seleção final que propomos permite olhar para as principais tendências do ano cinematográfico.
Entre os dez mais marcantes surgem três filmes que lidaram de formas diversas com a questão do racismo e das minorias, uma animação europeia, o filme português que surpreendeu o festival de Cannes, o musical e o drama independente que triunfaram nos óscares e um remake de um dos maiores clássicos da Disney.
Não ficamos indiferentes a duas grandes produções que confirmam a criatividade artística de Denis Villeneuve e Christopher Nolan.
La La Land – Melodia do Amor, Damien Chazelle
O ano de 2017 começou com uma pergunta inesperada. Qualquer coisa como: "afinal, será que o cinema musical ainda é possível?". Convenhamos que o filme de Damien Chazelle não gerou unanimidade, mas é um facto que abriu, ou melhor, reabriu uma porta que estava fechada. Afinal, é mesmo possível, continua a ser possível, fazer filmes musicais — e até, porque não?, a inventar novos pares amorosos como Ryan Gosling e Emma Stone. Em Portugal, ao título "La La Land" acrescentaram o subtítulo "Melodia de Amor", mas não era preciso: todos percebemos que o romantismo pode estar de novo na moda.
Moonlight, Barry Jenkins
Não há mesmo volta a dar: o filme de Barry Jenkins foi mais vezes citado por causa da troca dos envelopes na cerimónia dos Oscars do que através das suas qualidades específicas. Mas não tenhamos dúvidas: este é um daqueles objectos de cinema, tão puro na sua linguagem, tão radical nas suas significações, que o tempo ajudará a reconhecer pela sua impressionante dimensão humana. Ao contar a história convulsiva de um afro-americano em três fases da sua vida, recorrendo a três actores diferentes, Barry Jenkins veio lembrar-nos o poder mais primitivo dos filmes — não exactamente fazer história, mas ajudar-nos a compreender como, individualmente, habitamos o tempo da história colectiva.
A Bela e o Monstro, Bill Condon
Os estúdios Disney são, neste momento, por certo, os mais poderosos de todo o planeta cinematográfico — em 2017, vimo-los a controlar grande parte da Marvel, a Pixar, a Lucasfilm e, por fim, a comprar os estúdios da 20th Century Fox. Mas convém não reduzir a dinâmica dos filmes à aritmética dos tesoureiros. Um filme como "A Bela e Monstro" veio provar, se dúvidas ainda houvesse, que é possível revisitar as fábulas clássicas, não apenas para nelas injectar efeitos especiais, mas sobretudo para celebrar o cinema como o lugar de um encantamento primordial, infantil, sem ser pueril — além do mais, é bom saber que Emma Watson já se libertou da herança de Harry Potter.
Eu Não Sou o teu Negro, Raoul Peck
Na última década, aprendemos a reconhecer — e, mais do que isso, a celebrar — o facto de o género documental ter deixado de ser um parente pobre do mercado. E não há dúvida que os cineastas têm sabido reforçar essa nova visibilidade dos documentários através de filmes admiráveis como "Eu Não Sou o Teu Negro". A evocação do escritor James Baldwin faz-se através das suas própria palavras, agora lidas por Samuel L. Jackson, pensando as lutas dos afro-americanos, em especial durante a vibrante década de 1960 — é uma lição de cinema e também de palavras: algo do nosso destino decide-se sempre nas palavras que usamos, nas palavras que escrevemos.
Dunkirk, Christopher Nolan
Algumas experiências dos últimos ajudaram-nos a desconfiar do conceito de grande produção – afinal de contas, não basta ter um departamento de efeitos especiais a gastar milhões de dólares para criar um filme. Christopher Nolan é um dos autores contemporâneos que continua a acreditar que os mais sofisticados recursos técnicos podem estar ao serviço da dimensão épica do espectáculo. Assim é o seu "Dunkirk", evocando a retirada das tropas britânicas da Bélgica, quando ainda parecia que ninguém conseguiria parar os exércitos hitlerianos — se foi o autor de "Lawrence da Arábia", David Lean, que definiu, para sempre, os parâmetros deste tipo de cinema “maior que vida”, então Nolan é um dos seus mais legítimos e talentosos herdeiros.
Detroit, Kathryn Bigelow
Eis uma grande, delicada e por vezes perturbante pergunta do audiovisual contemporâneo: como abordar em cinema os eventos que, melhor ou pior, estão fixados em muitas imagens televisivas? "Detroit" pode ser definido como uma fulgurante resposta a tal interrogação. Para evocar os motins que abalaram aquela cidade americana em 1967, Kathryn Bigelow evita todos os clichés dramáticos para encenar brancos e negros, desenhando um assombroso painel de personagens e acontecimentos. Escusado será dizer que as tensões abordadas não puderam deixar de remeter para os dramas do nosso presente — mas sem generalizações fáceis: Bigelow é uma cineasta da singularidade das personagens e dos lugares, uma das grandes humanistas do cinema do século XXI.
A Fábrida de Nada, Pedro Pinho
Afinal, o cinema português não precisa de estar dependente da dicotomia simplista e demagógica que opõe a ‘arte’ e o ‘comércio’. Mais ainda: os seus cineastas mais jovens não estão obrigados a imitar os modelos dos autores do Cinema Novo dos anos 60. A prova poderá ser "A Fábrica de Nada", de Pedro Pinho, retrato de uma crise numa fábrica ameaçada de desmembramento que é, de uma só vez, uma crónica sobre as convulsões económicas e uma parábola sobre o que é isso de ser ou não ser português. Talvez por essas razões, ao longo de 2017, um pouco por todo o mundo, "A Fábrica de Nada" foi um dos mais nobres embaixadores da cultura portuguesa — quer isto dizer que a dimensão universal de um filme pode começar nos particularismos da sua história, do seu olhar e também da sua sensibilidade.
Blade Runner 2049, Denis Villeneuve
Bem sabemos que a proliferação de sequelas tem sido uma das chagas da grande produção da última década. Porquê? Porque muitas delas são feitas por impulso de tesouraria. A muito aguardada sequela de "Blade Runner" veio provar que é possível fazer de outra maneira, isto é, em nome de razões artísticas e princípios criativos. Que é como quem diz: retomando a saga apocalíptica do primeiro filme e prolongando a história através de novas personagens e relações (embora, convém não esquecer, conservando Harrison Ford). O inglês Ridley Scott tinha assinado o primeiro filme em 1982; agora, o canadiano Denis Villeneuve veio provar em "Blade Runner 2049" que é, afinal, um dos seus mais brilhantes discípulos.
A Paixão de Van Gogh, Dorota Kobiela e Hugh Welchman
Para o melhor ou para o pior, a área dos desenhos animados é das mais formatadas do cinema contemporâneo — compreende-se porquê: é também uma das mais rentáveis. Mas importa escapar à noção segundo a qual a animação trabalha apenas sobre aventuras mais ou menos infantis. "A Paixão de Van Gogh" contém uma eloquente resposta. A polaca Dorota Kobiela e o inglês Hugh Welchman arriscaram evocar a vida atribulada do pintor holandês através de desenhos, não aguarelas à moda antiga, não digitais como passou a ser a norma, mas desenhos executados como verdadeiras pinturas a óleo. O resultado é realmente novo, realmente deslumbrante — e não é preciso sermos adivinhos para dizer que "A Paixão de Van Gogh" vai estar na corrida ao Óscar de melhor longa-metragem de animação.
120 Batimentos por Minuto, Robin Campillo
É verdade que foi a produção sueca "O Quadrado" que arrebatou o Festival de Cannes de 2017, mas não é menos verdade que o grande acontecimento emocional do certame foi o filme de Robin Campillo, "120 Batimentos por Minuto" (aliás, ganhou o Grande Prémio, precisamente o nº 2 na hierarquia do palmarés oficial). Ao evocar os primeiros tempos da sida e, em particular, a luta do grupo ACT-UP, em Paris, pela distribuição de medicamentos, o filme de Campilo consegue a proeza de ser um pedagógico fresco histórico e também uma história com pessoas vivas, bem vivas, lutando contra as mais diversas barreiras e preconceitos. E há uma lição exemplar a extrair de tudo isso: o cinema pode ser realmente social sem se transformar num sermão abstracto, antes mantendo-se fiel à complexidade do factor humano.