11 Mai 2018 23:33
O título do filme do polaco Pawel Pawlikowski incluído na competição de Cannes — "Cold War" — tem tanto de evocação história como de ironia dramática. Trata-se, de facto, de traçar um fresco da Guerra Fria, em particular das convulsões no interior da Polónia ao longo da década de 1950, embora deslocando todas as tensões para uma relação a dois, relação confrontada com as muitas barreiras impostas por tão peculiar conjuntura. Como se escreve na sinopse do festival: "um amor impossível numa época impossível".
A relação amorosa entre um professor de música e pianista (Tomasz Kot) e uma jovem estudante especialmente dotada para o canto (Joanna Kulig) surge, assim, como uma colagem de capítulos marcados por drásticas diferenças políticas, geográficas e culturais — para eles, trata-se de encontrar um modo de viver num tempo de crescente desumanização [fragmento do filme].
Já conhecíamos essa capacidade de Pawlikowski revisitar as contradições da história através das muitas nuances dos destinos individuais — lembremos o também magnífico "Ida", sobre as memórias da ocupação alemã da Polónia, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro atribuído em 2015. Também aqui deparamos com essa capacidade de administrar as tensões individual/colectivo, sempre a partir de uma minuciosa direcção de actores.
Fotografado num imaculado preto e branco, com assinatura de Lukasz Zal (também responsável pelas imagens de "Ida"), "Cold War" consegue ainda a proeza de ir tratando a evolução social e política através das transformações do cenário musical: desde os cantos populares do início, passando pelos cantos de exaltação de Estaline impostos pelo aparelho estatal, até ao jazz que o protagonista interpreta quando vai viver para França — enfim, um caso exemplar de reconfiguração da história através de uma subtil valorização da acção das personagens.