22 Mai 2019 22:48
Se é verdade que o Festival de Cannes tenta garantir uma "quota" asiática na sua programação, então há que reconhecer que, este ano, as coisas têm corrido francamente bem — primeiro com o representante da China, "Le Lac aux Oies Sauvages", de Diao Yanan; agora com o filme da Coreia do Sul, "Parasite", realizado por Bong Joon Ho.
Vale a pena lembrar que Bong Joon Ho se impôs nos circuitos internacionais com produções que associavam os grandes meios a um fôlego mais ou menos fantástico ou fantasista — lembremos "The Host – a Criatura" (2006) e "Okja" (2017). "Parasite", de longe o seu trabalho mais elaborado e consiste, retoma um certo gosto dramático que já marcava o bem interessante "Mother – Uma Força Única" (2009).
Aliás, o filme surpreende, antes do mais, pela sua ambiguidade de género. Digamos que tudo começa como uma comédia de costumes: uma família de um bairro pobre monta uma estratégia para os seus elementos (pai, mãe, um filho e uma filha) começarem a trabalhar para uma outra família, incomparavelmente mais rica — a certa altura, os quatro estão instalados nesse universo "alternativo", como uma espécie de duplicação fantasmática…
Embora evitando revelar a surpreendente evolução dos acontecimentos, digamos que Bong Joon Ho coloca em cena aquilo que o próprio título sugere. A saber: como é que este parasitismo se pode reverter em algo de trágico, porventura apocalíptico? O resultado tem tanto de retrato realista das diferenças de classe, como de parábola sobre a (im)possibilidade de definir uma comunidade. Nessa medida, "Parasite" fala do presente da Coreia do Sul, apelando também a uma derivação simbólica dos conflitos que encena.