04 Set 2023
Com a apresentação de “Coup de Chance”, o seu 50.º filme e o primeiro em francês, no Festival de Veneza, Woody Allen realiza o sonho de infância de “tornar-se um cineasta europeu” e torce o nariz à indústria americana que o rejeitou.
O realizador de 87 anos, mestre da comédia e da sátira social, viu quase todo o setor virar-lhe as costas nos Estados Unidos, na sequência das acusações de abuso sexual feitas por Dylan Farrow, que adotou em criança com a sua ex-mulher Mia Farrow.
O caso nunca chegou aos tribunais. No entanto, o realizador vive há vários anos à margem da sétima arte.
A sua chegada a Veneza, na segunda-feira, para apresentar “Coup de Chance” fora de competição, soa, portanto, a vingança. Na conferência de imprensa, explicou que, ao fazer este filme, se sentia “um verdadeiro cineasta europeu”, seguindo os passos dos seus modelos Truffaut, Godard e Fellini.
Questionado sobre a possibilidade de voltar a filmar na sua cidade natal, o nova-iorquino preferiu gracejar: “Se aparecerem uns tipos saídos das sombras e disserem ok, financiamos o teu filme (…) Se alguém for suficientemente louco” para o fazer, “então realizarei um filme em Nova Iorque!”
Com um ar de comédia francesa onde transparece o toque de Woody Allen, “Coup de Chance” é um thriller sobre o amor e o acaso, passado nos bairros nobres de Paris.
Não é o primeiro filme de Woody Allen a passar-se em Paris, onde já tinha rodado “Meia-noite em Paris”, com um elenco francês e anglo-saxónico, mas é o primeiro rodado inteiramente em francês e com atores franceses.
Melvil Poupaud e Lou de Laâge interpretam um casal muito burguês. Ela reencontra um amigo de infância (Niels Schneider) e as coisas descontrolam-se quando a mãe (Valérie Lemercier) suspeita que estão a ter um caso.
Filmar em francês não foi difícil, garante Allen, explicando que o elenco podia falar com ele em inglês. Quanto à direção, “só com a linguagem corporal e as emoções dos atores, consigo perceber se estão certos ou não”, disse.
50 filmes e 4 Óscares manchados por acusações de abusos
Nascido a 1 de dezembro de 1935 no Bronx, no seio de uma família de imigrantes judeus europeus, Allan Konigsberg (nome verdadeiro) cresceu em Brooklyn, fazendo truques de magia e tocando clarinete. Inspirou-se no clarinetista Woody Herman para criar o seu nome artístico: Woody Allen.
Após abandonar a escola, escreveu piadas e gags para comediantes do teatro e da televisão dos anos 50, antes de se dedicar ao stand-up. A partir de meados da década de 1960, começou a escrever guiões para filmes.
Como ator, argumentista e realizador, Woody Allen ganhou quatro Óscares – incluindo três por “Hannah e as Suas Irmãs” (1986) – e recebeu outras 20 nomeações.
Parceiro de Diane Keaton na década de 1970, a atriz integrou o elenco em oito dos seus filmes, incluindo “Annie Hall” e “Manhattan”. Diz-se que ainda são amigos.
Woody Allen e Mia Farrow foram um casal durante 12 anos. Ela participou em 13 dos seus filmes. A relação explodiu em 1992, quando Mia Farrow descobriu fotografias da sua filha Soon-Yi em que esta aparecia nua.
A jovem de origem sul-coreana tinha 21 anos na altura. Soon-Yi tinha sido adotada por Mia Farrow quando esta casou com o maestro americano André Previn (falecido em 2019), com quem teve sete filhos (três biológicos e quatro adotados).
Woody Allen e Soon-Yi Previn casaram em 1997, adotaram dois filhos e continuam juntos.
Foi no meio de batalhas legais entre os clãs Allen e Farrow que Dylan acusou Woody Allen de abuso sexual a 4 de agosto de 1992, quando tinha sete anos.
Os tribunais acabaram por rejeitar as alegações, mas apontaram a “conduta extremamente inapropriada” de Woody Allen como “indigna de confiança” e “insensível”.