10 Mar 2017 22:29
O filme "Silêncio", de Martin Scorsese, sobre os jesuítas portugueses no Japão do século XVII, é um daqueles acontecimentos que nos conduz a muitas ideias e reflexões cruzadas. Desde logo, porque, no interior da obra do cineasta, se trata de um prolongamento de outras abordagens de temas religiosos, ou melhor, da relação entre o ser humano e o sagrado — a primeira e fundamental evocação vem de 1988 e chama-se "A Última Tentação de Cristo".
Com Willem Dafoe no papel central e uma inesquecível banda sonora assinada por Peter Gabriel, "A Última Tentação de Cristo" proclamando o valor do amor, da coragem de fazer o Bem, num registo que, como é óbvio, transcende a mera evocação histórica — trata-se de uma epopeia sobre a fé como desafio interior e, mais do que isso, desafio na relação com os outros.
Em boa verdade, Scorsese sempre filmou personagens que, de uma maneira ou de outra, enfrentam desafios que parecem transcender os seus limites humanos — lembremos, por exemplo, filmes como "Taxi Driver" (1976) ou "Touro Enraivecido" (1980). Com "Kundun", regressou a uma figura também carregada de simbolismo religioso: o Dalai Lama.
Também no caso de "Kundun" a música ocupa um lugar fundamental na construção do filme. Dir-se-ia que Scorsese concebe os seus filmes como verdadeiras sinfonias narrativas: a banda sonora, além de não funcionar como banal música de fundo, emerge como um elemento fundamental na apresentação dos factos, na gestão das emoções. E porque esse não é um factor secundário, convém lembrar que, em "Kundun", a música tem assinatura de Philip Glass.