20 Mai 2014 1:43
Ao descobrirmos a terceira longa-metragem do americano Bennett Miller, depois de "Capote" (2005) e "Moneyball" (2011), parece evidente que ele sente um fascínio muito especial por personagens verídicas que, por assim dizer, enfrentam desafios extremos à sua própria identidade — "Foxcatcher", apresentado na competição de Cannes, é o retrato do extravagante e intrigante milionário John Du Pont e, em particular, do seu apoio à preparação de Mark Schultz, atleta de luta livre que representou os EUA nos Jogos Olímpicos de Seul (1988).
O menos que se pode dizer de "Foxcatcher" é que representa um desafio invulgar ao seu trio de actores principais: Steve Carell, numa espantosa transfiguração física, assume a personagem de Du Pont; Channing Tatum é Mark Schultz, expondo as contradições entre a sua destreza física e os hábitos de consumos pouco recomendáveis resultantes da sua ligação com Du Pont; enfim, Mark Ruffalo interpreta Dave Schultz, irmão de Mark que tenta gerir a situação na procura de algum equilíbrio físico e anímico.
Sem ser um filme pesadamente "simbólico", "Foxcatcher" impõe-se como uma parábola sobre algumas componentes do imaginário mitológico made in USA, a começar pelo desejo de vencer e pela utopia de construção de um mundo autónomo e perfeito que seja um espelho da própria nação — Du Pont é o espelho bizarro de tal impulso utópico.
Nesta perspectiva, Du Pont tem tanto transparente como de indecifrável, sendo a composição de Carell decisiva para fazer pairar a personagem numa espécie de limbo moral que, mesmo os mais próximos, nem sempre conseguem decifrar. Em resumo, com contido brilhantismo, Bennett Miller conseguiu criar mais um espaço de contemplação e crítica dos sobressaltos do Sonho Americano.